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02-08-2006        Diário Económico
Apesar dos resultados positivos já em 2006, a GM é um gigante com pés-de-barro, desesperadamente em busca de salvação.

A General Motors (GM) confirmou recentemente que a fábrica da Azambuja encerrará em Dezembro. Importará reflectir sobre este processo para compreender os desafios à retenção das empresas de capital estrangeiro e definir acções apropriadas. A análise que se segue assenta no que foi publicado na imprensa. Abordarei cinco tópicos: a GM, o mercado, a subsidiária portuguesa, a integração local e no grupo e o acompanhamento da actividade da subsidiária. Concluirei com quatro lições para o futuro.

1. A GM continua com sérias dificuldades. A capacidade de Rick Wagoner, que assumiu o posto de CEO em 2000, parece insuficiente para assegurar a mudança de que a empresa necessita. A reestruturação efectuada na Europa, em 2001/2002, levou ao encerramento da fábrica de Luton e a uma redução da capacidade em 20%. Os problemas com a Delphi acentuaram as dificuldades, colocando-se mesmo a possibilidade de falência da GM. A possível aliança com a Renault/Nissan continua indefinida. Apesar dos resultados positivos já em 2006, a GM é um gigante com pés-de-barro, desesperadamente em busca de salvação. A racionalização da actividade e o corte de custos tornam-se inevitáveis.

2. O mercado europeu – O mercado automóvel da Europa ocidental não cresce. Não há dinâmica que estimule o aumento de capacidade. Este faz-se a Leste (a GM abriu uma nova fábrica na Rússia) e na Ásia. Num ambiente de marasmo, a uma empresa ‘doente’ resta concentrar capacidade, reduzir custos fixos e aproveitar vantagens de escala. O mercado automóvel não é mais nacional - especialmente no espaço europeu.

3. A subsidiária portuguesa – A GM Azambuja era, como disse Francisco Veloso, um "alvo fácil". Por variadas razões: a) pela dimensão (a unidade mais pequena da Europa); b) pela antiguidade (nascida em 1961, nunca foi objecto de transformação numa unidade verdadeiramente moderna numa lógica de lean production); c) pelas dificuldades operacionais (da ausência de uma prensa aos problemas de logística e aprovisionamento, que parecem estar na origem de boa parte dos 500 euros de sobre-custo divulgados pela empresa); d) pela concentração na montagem de um único modelo, facilmente transferível para outra unidade; e) pela sua inserção na órbita da fábrica de Saragoça; e f) pelos problemas laborais havidos ainda em inícios de 2005, quando os trabalhadores parecem ter esquecido a vulnerabilidade da unidade e a "doença" que mina a própria GM.

4. A integração – A integração da GM Azambuja no grupo era muito forte. Corresponde basicamente a uma plataforma de transformação, com escassa autonomia e largamente dependente de Saragoça. A ausência de uma rede de fornecedores locais veio acentuar a vulnerabilidade. Sendo o nível de incorporação local inferior a 20%, a exposição ao risco de desinvestimento é enorme – especialmente se, como é o caso, a maioria dos fornecedores se encontra mais próximo da unidade "rival".

5. O acompanhamento – As debilidades da GM Azambuja não são novas. Não foi a primeira vez que a hipótese de encerramento foi equacionada. O contrato de investimento de 2001 apenas pôs entre parênteses o risco de encerramento até 2008. Consequentemente, seria indispensável um acompanhamento cuidado da actividade da GM e a promoção de condições de sustentabilidade. Segundo o presidente da AFIA, esse acompanhamento não foi feito. Apesar dos esforços desenvolvidos, a intervenção do Governo, iniciada segundo o Ministro da Economia em Fevereiro de 2006, terá surgido apenas quando os dados já estavam lançados e as possibilidades de inverter decisões eram reduzidas. Nada garante, aliás, que se tal intervenção se tivesse efectuado mais cedo os resultados fossem melhores. As debilidades da fábrica eram significativas. Parece, porém, que faltou um diálogo continuado, a nível técnico, com os ‘stakeholders’ da GM Azambuja, e nomeadamente com os gestores da empresa.

Da reflexão efectuada retiraria quatro conclusões. Primeira: a durabilidade dos investimentos estrangeiros é limitada, sobretudo quando a inserção local é fraca. Segunda: os contratos de investimento são para cumprir, pelo que o Estado Português não deverá prescindir da devolução de fundos a que tem direito. Terceira: uma política efectiva de retenção e de ‘up-grading’ do investimento estrangeiro em Portugal exige um acompanhamento sério e profissional das empresas, estreitando o contacto com as respectivas equipas de gestão e promovendo o reforço da inserção local e das suas competências. Isso é fundamental para consolidar posições e para despistar atempadamente situações difíceis. A última conclusão é pessoal: o meu próximo carro não será certamente um Opel!