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09-08-2006        Diário Económico
Portugal surge, num inquérito do Eurobarómetro apresentado em Junho, entre os países onde é menor a oposição aos alimentos geneticamente modificados.

A Comissão Europeia apresentou, em Junho passado, em Bruxelas, o sexto inquérito do Eurobarómetro sobre "Os Europeus e a Biotecnologia". De acordo com este estudo, em contraste com a receptividade dos inquiridos às aplicações da biotecnologia na área da medicina (a chamada "biotecnologia vermelha"), 58% rejeitam-nas quando se trata de aplicações na agricultura e na alimentação (a "biotecnologia verde").

Esta rejeição não é alheia, por certo, ao debate e contestação das culturas e alimentos geneticamente modificados promovidos por agricultores, sindicatos, e organizações de defesa dos consumidores e do ambiente, em vários países europeus (com destaque para a Áustria, a Grécia e a França, onde alguns grupos foram ao ponto de destruir culturas experimentais). Uma das excepções é Portugal, que surge, no mesmo inquérito, entre os países onde é menor a oposição a esses alimentos – talvez por insuficiente informação e debate sobre o tema (como sugere o bem fundamentado "Parecer sobre os organismos geneticamente modificados" do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de Setembro de 2005).

A polémica tem permitido evidenciar as incertezas que envolvem a apreciação quer dos riscos, quer dos benefícios das culturas e alimentos transgénicos, e que contribuem para fazer deles uma inovação controversa, paradigmática dos desafios da sociedade tecnológica. Duvida-se da sua importância real para o crescimento, a competitividade e o emprego. Temem-se os seus impactes no ambiente, incluindo na perda da biodiversidade. Receia-se o controlo da produção e marketing de produtos contendo organismos geneticamente modificados (OGM) por um número diminuto de empresas multinacionais com a inerente limitação da liberdade de escolha, tanto de produtores, como de consumidores.

Sensível a estas incertezas, a Comissão Europeia manteve a partir de 1999 uma moratória à introdução de culturas e alimentos transgénicos. A moratória viria a ser levantada em 2004 para algumas variedades de milho modificado sob um pano de fundo de falta de consenso entre governos e pressões da indústria (inclusive para o enfraquecimento dos standards de protecção dos consumidores, do ambiente e dos agricultores). Não obstante a complexidade e conflitualidade dos valores e interesses em presença, a Comissão tem confiado a avaliação de impactes e riscos dos OGM, exclusivamente, a cientistas e peritos. Quanto aos cidadãos, são relegados, na prática, para a posição de consumidores numa relação de mercado (informados, quando muito, pelos rótulos nas embalagens dos produtos).

Neste contexto, a controvérsia tem tido o mérito de abrir o debate e de pôr em evidência que uma avaliação de risco (assim como de benefício) é muito mais do que um exercício técnico ou científico (aliás, sujeito, ele próprio, a controvérsia). A avaliação de risco não é um empreendimento valorativamente neutro, exigindo por isso uma participação mais alargada que permita entrar em linha de conta com diferentes sensibilidades éticas e culturais, e interesses económicos e sociais. Como sugerem os teóricos da "sociedade de risco", o risco oferece a oportunidade para uma maior democratização desses processos, impondo-se a procura de formas adequadas de a institucionalizar.

O caso dos OGM tem dado, inclusive, sinais claros do papel que os movimentos e organizações sociais podem cumprir na construção das próprias agendas de investigação: deve-se, por exemplo, a organizações não governamentais o encorajamento do estudo de temas negligenciados pelos cientistas (v.g. as distâncias de transferência de pólen entre culturas de OGM e culturas orgânicas) e a introdução no debate das questões de ordem económica e social.

Em Portugal, em 2006, foram cultivados, pela primeira vez, mil hectares de milho transgénico. Estima-se que, em 2007, esta área se eleve a três mil hectares. Tudo isto sem controvérsia significativa, para além dos círculos dos especialistas. Mas, perante inovações tão duvidosas e tão sérias nas suas consequências, não se justificaria que os processos de avaliação e decisão ganhassem em transparência e participação como condição não só da melhoria da sua qualidade, como da sua legitimidade?