13-09-2006 Diário Económico
Portugal carece de um novo tipo de empresas, com maior intensidade cognitiva e capacidade de interpretação dos mercados internacionais.
As férias são uma excelente oportunidade para, num ambiente mais descontraído, tentar reduzir a carteira de livros a ler e pôr em ordem documentos deixados de lado na azáfama do quotidiano. Sob um pano de fundo cinzento, gerado pela crise do Líbano, onde todos têm responsabilidades (como me lembrei das lições de humanismo do libanês Amin Maalouf!), confesso que as leituras não foram muito entusiasmantes. A excepção foi o livro "Confidence", de Rosabeth Moss Kanter, sobre dinâmicas de vitória e de derrota tanto no plano desportivo como no empresarial.
Relendo artigos da imprensa que tinha deixado de lado, encontrei um curioso retrato das novas empresas criadas em Portugal, publicado no "Semanário Económico" de 23 de Junho, com base num estudo elaborado pelo IAPMEI. Aí se revela que "o mercado eleito é o da proximidade". Todavia, "perto de 30% das empresas manifestou intenção de se internacionalizar no prazo de 3 anos", especialmente para a União Europeia e para os PALOP. Olhando para a pequeníssima dimensão das empresas, em termos de capital social e de emprego, tais intenções serão pouco consistentes.
Portugal carece, de facto, de um novo tipo de empresas, com maior intensidade cognitiva e capacidade de interpretação dos mercados internacionais. Estas empresas de nova estirpe, orientadas desde o início para os mercados internacionais, são frequentemente designadas por ‘born globals’. Mais especificamente, as ‘born globals’ podem ser caracterizadas como empresas que, num prazo de três anos após a sua criação, geram pelo menos 25% do seu volume de negócios no estrangeiro e no mínimo em dois continentes. Elas são relevantes não apenas para dinamizar as exportações mas também para induzir uma mudança estrutural no perfil empresarial.
Isto significa que, sendo necessária, a promoção do empreendedorismo em geral não é suficiente. Por outro lado, o vector nuclear das ‘born globals’ não é necessariamente tecnológico. Em muitos casos, o núcleo das suas propostas de valor não está numa excepcional sofisticação tecnológica, mas antes em modelos de negócio inovadores e na capacidade de compreender os desejos de segmentos específicos de clientela a uma escala internacional. Embora com uma ancoragem nacional, estas empresas necessitam de mobilizar recursos (humanos, tecnológicos e financeiros) no exterior, de modo a ‘interpretarem’ adequadamente os mercados e a conceberem propostas de valor inovadoras e competitivas internacionalmente. Num mundo cada vez mais ‘pequeno’ e competitivo, parece-nos importante que Portugal defina políticas de promoção de ‘start-ups’ com potencial para se tornarem ‘born globals’. Esta necessidade foi, aliás, sublinhada num estudo elaborado por dois dos membros deste painel I&D para apoiar a preparação do próximo QREN 2007-2013. Aí se preconizava o objectivo de atingir, no triénio final do QREN um número anual de 3000 novas empresas de elevada intensidade cognitiva e potencial de crescimento nos mercados internacionais.
Neste quadro, todas as acções desenvolvidas no sentido de estimular os jovens portugueses a ganhar experiência internacional – como é o caso do INOV-CONTACTO (mas atenção à necessidade de assegurar a manutenção da qualidade da formação e da infra-estrutura de apoio!) – são de saudar. Tal experiência é fundamental para o estabelecimento de redes internacionais de relações, indispensáveis para a mobilização de recursos e a compreensão dos mercados. Da mesma forma, as iniciativas de divulgação das potencialidades de empresas inovadoras portuguesas nos mercados financeiros internacionais e o anunciado arranque de um mercado para PME no âmbito da Euronext são muito positivas.
Mas será indispensável ir mais além no sentido de estimular o surgimento e a expansão de ‘start-ups’ intensivas em conhecimento orientadas para o mercado internacional, desde a promoção de incubadoras especializadas ao reconhecimento das competências em marketing internacional como elemento essencial para a sustentabilidade internacional das empresas. Para além, evidentemente, de um projecto consistente de utilização do efeito de demonstração inerente a casos de sucesso já existentes, desde a Critical Software e a Y-Dreams à Catatua Azul, por exemplo.