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27-09-2006        Diário Económico
A expansão do básico e do secundário coincidiu com um relaxamento de critérios ao integrar alunos com menos capital cognitivo.

A história de como chegámos à actual circunstância civilizacional é conhecida. Os antepassados mais longínquos da espécie humana terão surgido na vasta planície africana. A nossa tia Lucy, cujos ossos foram desenterrados na Etiópia em 1974, pertenceu a um ramo avançado dos Australopitecus, dominante há pouco mais de 3 milhões de anos. Só depois surgiu a família que culminou há 500 mil anos com o homo sapiens. Quando há dez mil anos terminou a última época do gelo – acontecimento que proporcionou o mito do dilúvio e da Arca de Noé – nem neardentais nem cromagnons estariam já activos.

A partir daqui aproximamo-nos vertiginosamente dos factos actuais. Primeiro a agricultura e a domesticação de animais, com a sedentarização. Depois a invenção de um sistema de escrita, ao que parece na Mesopotâmia, há 4500 anos. Mais recentemente, por volta de 1750, um surto de invenções conduziu ao motor a vapor. Um ponto alto posterior, no processo evolutivo, coincide com o emprego da electricidade.

A electricidade, ou melhor, o electromagnetismo, é um fenómeno que existe desde sempre em estado "selvagem". É a partir do início do século XIX, no entanto, que ele começa a ser entendido. Alguns dos frutos mais evidentes da sua "domesticação" são o telefone, a iluminação eléctrica, a TV e o computador. Outros, menos espectaculares mas igualmente importantes, são o radar (sem o qual a aviação civil não se teria desenvolvido) ou o laser (sem o qual não se teria, por exemplo, transmissões por fibra óptica).

Por volta do ano 2000 o processo evolutivo da espécie terá atingido um patamar mais elevado que levou a que fosse proposto, a partir do meio académico e de organizações como a OCDE, o conceito de "economia (ou sociedade) baseada no conhecimento".

Bem, estas são as linhas gerais da versão ‘light’ dos acontecimentos. Um balanço mais realista, contudo, dá-nos um retrato bem diferente. Invasões e guerras mortíferas, fomes devastadoras, sismos violentíssimos, etc., levam a que a "linha da evolução" seja, na realidade, uma sucessão de ziguezagues e não uma seta dirigindo-se fatalmente no sentido do "progresso".

Nos dias de hoje estamos precisamente num período onde co-existem sinais contraditórios sobre a natureza da actual circunstância civilizacional. A par de uma efectiva "economia do conhecimento", verifica-se, mesmo nas economias avançadas, enormes manchas de ignorância e de desvinculação face aos desafios do "progresso".

É neste contexto que sugerimos a possibilidade de estarmos a evoluir para o estádio do "homo ‘zapping’", indivíduo que apresenta qualidades mas também defeitos evidentes, designadamente superficialismo e falta de rigor. Este homo zapping resulta, em parte, da "crise dos sistemas de educação" de que tanto se fala, quer nos Estados Unidos quer na Europa.

Portugal, para além das desvantagens inerentes à sua condição de economia intermédia, partilha tal "crise" com os países mais desenvolvidos. Os sinais são evidentes. A expansão do básico e do secundário coincidiu com um relaxamento de critérios, imposto pela necessidade de integrar alunos com menos capital cognitivo. O prolongamento desta situação repercute-se no desempenho médio do aluno do superior. Acresce que a cada ano que passa não se notam melhorias.

A maioria das soluções que vêm sendo propostas são pouco abrangentes. A par de capacidades básicas como a memorização ou a reprodução (de textos etc.), é necessário desenvolver capacidades de cálculo mental, compreensão e análise. Mais ainda, é imprescindível apostar em capacidades mais exigentes, como a iniciativa, a criatividade e a procura da excelência. O superficialismo reinante conduz à falta de preocupação com o detalhe e com o acabamento do trabalho. A caligrafia de muitos estudantes é, a este respeito, bem reveladora. Um exercício interessante poderia ser as nossas escolas promoverem algo parecido com o Shodo, a arte de escrever caracteres japoneses com pincel e tinta... Os meios, contudo, não são o essencial. O fundamental é a aposta na qualidade e no rigor.

 
 
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