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25-10-2006        Diário Económico
Será legítimo certificar a inovação? Se a questão for formulada nestes termos, a resposta é inequivocamente não.

Antes de decidir o tema deste artigo confesso que balancei entre várias alternativas. Pensei sintetizar os principais tópicos discutidos na Segunda Conferência Ibérica sobre Negócios Internacionais realizada na semana anterior em Toledo. Pensei também falar sobre as responsabilidades dos gestores da EPUL para com os clientes a quem ela se devia dirigir – os jovens lisboetas de classe média e média-baixa. Pensei, ainda, reflectir sobre as contradições entre discurso e acção, tendo como referência o "Compromisso Portugal". Optei, porém, por escolher um outro tema: o paradoxo da certificação da gestão da inovação.

Será legítimo certificar a inovação? Se a questão for formulada nestes termos, a resposta é inequivocamente não. A inovação como resultado não se certifica – afirma-se no confronto com o mercado e, em última análise, com a sociedade.

Todavia, se a questão for colocada em termos diversos – será legítimo certificar a gestão do processo da inovação nas organizações? –, a resposta será positiva. Nesta lógica, parece-me meritório o esforço da COTEC no sentido de estabelecer um conjunto de normas para certificar a gestão do processo de inovação.

A questão não é líquida, porém. Vários observadores têm argumentado que ligar certificação e inovação é uma contradição em termos. No encontro da COTEC onde este tema foi discutido, Rogério Carapuça, da Novabase, interrogava-se sobre se a certificação não conduziria a restringir o processo de inovação. Haveria, segundo ele, o risco de introduzir um mecanismo burocrático num processo que deve ser dinâmico. As suas reflexões têm razão de ser – existe a possibilidade de uma deriva burocrática na utilização da certificação, que pode comprometer o próprio processo de inovação. Mas penso que as vantagens da certificação compensam o risco mencionado.

De facto, como notava João Picoito, em Maio passado, no "Expresso", "a inovação empresarial é essencialmente incremental, e nesta o sistema de gestão impera". Este raciocínio é muito semelhante ao utilizado por Nuno Crato na sua crítica ao "eduquês", enquanto ausência de rotinas de comportamento, de estudo e de prática. Em verdade, a criatividade, também em termos organizacionais, não é o oposto da rotina. Como sublinharam Richard Nelson e Sidney Winter no livro "An Evolutionary Theory of Economic Change", as competências das organizações estão largamente assentes em rotinas.

A ideia "romântica" da criatividade como algo que surge por obra e graça da inspiração não corresponde à realidade económica dos nossos dias. As rotinas são fundamentais para sustentar o processo de inovação. Elas correspondem aos procedimentos, decorrentes da história da organização, que permitem responder aos desafios básicos defrontados. Como sublinharam Nelson e Winter, existem rotinas de replicação e rotinas de criação. Estas são a base, os alicerces indispensáveis para permitir, de facto, a expressão da criatividade conducente a novos produtos e a novos processos. As inovações radicais, marcadas por factores de aleatoridade e impulsionadas pela ciência, são muito importantes. Mas elas constituem a excepção e não a regra. A inovação empresarial não pode ser vista fundamentalmente como a descoberta do Santo Graal, de algo radical e sublime. Ela resulta do trabalho quotidiano em equipa, da experiência e da prática.

A certificação da gestão do processo de inovação pode, por isso, ser muito relevante para reduzir a variância e para ajudar a consolidar nas empresas a disciplina e a organização essenciais à concepção, desenvolvimento e comercialização de novos produtos e serviços. Os requisitos subjacentes à certificação do processo de gestão da inovação não devem ser entendidos numa lógica burocrática. Pelo contrário, eles deverão contribuir para a empresa, como comunidade social, colocar a inovação no centro da reflexão estratégica. Será assim possível estimular a partilha de valores e o envolvimento das pessoas, factores indispensáveis para instilar e sustentar uma dinâmica inovadora.

A inovação envolve a capacidade de imaginar novas possibilidades e novas soluções – mas assenta largamente no trabalho, na experiência e em rotinas de actuação. Deve, portanto, ser objecto de processos de gestão adequados.