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13-12-2006        Diário Económico
O empreendedorismo está hoje na ordem do dia em Portugal. Multiplicam-se as iniciativas. [...] A lógica parece ser a de que mil flores floresçam, o que é de saudar.

Lendo o ‘Público’ de 2 de Dezembro último encontrei um título curioso: "Alavanca do empreendedorismo está nas Universidades". Professor universitário e adepto da dúvida metódica não pude deixar de interrogar-me: estará, de facto?

O empreendedorismo está hoje na ordem do dia em Portugal. Multiplicam-se as iniciativas de promoção de concursos de ideias inovadoras, de estímulo à criação de novas empresas por universitários, de criação de fundos de capital de risco para apoio à iniciativa empresarial. A lógica parece ser a de que mil flores floresçam, o que é de saudar. A diversidade pode gerar emulação e estimular abordagens múltiplas, sujeitas posteriormente a um processo natural de selecção. Mas não haverá também efeitos de escala da intervenção a ter em conta?

A multiplicidade de iniciativas não significa, por outro lado, que haja efectivamente uma nova dinâmica de empreendedorismo. No que se refere ao empreendedorismo qualificado e de elevada intensidade cognitiva –precisamente o que mais nos interessa – não nos parece que se possa falar de tal dinâmica, apesar da interessante lista de projectos recentemente divulgada pela Agência de Inovação no âmbito da iniciativa NEOTEC.

Focalizando a nossa atenção neste tipo de empreendedorismo, voltemos então à nossa questão inicial: as universidades como alavanca? A minha resposta é simultaneamente – sim e não!

Não, se pensarmos na Universidade como centro básico de saber, o qual é depois "transferido" para jusante, para as empresas. Não, se pensarmos na Universidade como espaço por excelência de criação de uma elite de iluminados que transformam conhecimento científico em competência empresarial. Não, ainda, se pensarmos na investigação universitária como algo qualitativamente superior à actividade empresarial.

Sim, porque se torna indispensável que uma percentagem mais elevada de Portugueses em idade escolar entre no ensino universitário e desenvolva estudos nas áreas cientifico-tecnológicas (num trabalho recente com o meu colega e também membro desta coluna Manuel Mira Godinho sugerimos que 30% da população entre 18 e 25 anos deveria estar, em 2013, nas Universidades e, desta, 30% em cursos cientifico-tecnológicos). Sim, na medida em que estimule a inter-acção entre aquilo que o saudoso Keith Pavitt, ex-editor da revista Research Policy, designou como o corpo de conhecimento científico (’body of understanding’) e o corpo de conhecimento prático (‘body of practice’), através da facilitação da circulação das pessoas entre a actividade empresarial e a universitária. Sim, basica e finalmente porquanto a Universidade deve instilar nos jovens uma nova mentalidade, onde o saber científico, o rigor e a exigência se casam com a reflexão crítica, a especulação criativa, a capacidade de tomar decisões, a actuação em equipa e o espírito de iniciativa para traçar novas trajectórias – de aprendizagem, de carreira e de projecto empresarial. As regras de Bolonha estimulam tais possibilidades. Haja a coragem de as aproveitar para mudar a lógica do ensino – da mera transmissão de verdades adquiridas para o desenvolvimento de competências e de capacidades!

A Universidade tem, pois, um papel a desempenhar na promoção do empreendedorismo. Antes de mais, na própria dinamização e reconfiguração do ensino, da investigação e da inserção das Universidades na comunidade. Não se pense, porém, que a Universidade é sobretudo alavanca directa, no sentido de os investigadores universitários criarem sozinhos novas empresas. Pense-se, antes, na Universidade como alavanca indirecta, espaço de aprendizagens, de inter-acções e de reforço de competências. O empreendedorismo de elevada intensidade cognitiva não deriva apenas do corpo de conhecimento científico. Este tem de ser caldeado com o corpo de saberes práticos e com os activos complementares exigidos pelo modelo de negócio escolhido. Só assim, será possível desenvolver propostas de valor relevantes para o mercado.

A história não acaba aqui, porém. O empreendedorismo é importante, mas precisa – como uma vez me disse João Picoito – de ser "alavancado" para ter dimensão suficiente para concorrer com êxito num Mundo cada vez mais global. Não basta estimular o empreendedorismo – é indispensável que as novas empresas ganhem dimensão e sustentabilidade!