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17-12-2006        Diário Económico
2007 será, sem dúvida, um ano duríssimo para o sector da educação em Portugal. Educadores e educandos sofrerão um ‘shake-out’ muito pouco socialista.

Na versão que nos foi ensinada, o sistema solar era composto de nove planetas, numa ordem bem conhecida: Mercúrio, Vénus, etc…, até Plutão. Nos últimos anos, contudo, esta sistematização sofreu uma alteração. A descoberta de Éris, considerado pelos astrónomos como um planeta "menor" – e como tal não digno de emparelhar com os restantes planetas "principais" –, levou a que Plutão fosse despromovido à categoria de "menor". A classificação dos planetas principais passou assim a contar apenas com oito corpos celestes. Algo de idêntico havia já ocorrido no século XIX, quando Ceres sofreu idêntica despromoção.

Esta história introdutória destina-se apenas a sublinhar algo que sabemos, mas que sistematicamente ignoramos – a ordem do mundo não é estável. Mesmo no espaço celestial, que tendemos a ver como imutável, as mudanças ocorrem, umas por evolução do universo, outras por alteração do conhecimento que acerca dele temos.

Em Portugal, nas últimas décadas, embalados pelo conforto dos fundos estruturais europeus, criou-se uma percepção, à imagem da existente sobre a classificação dos planetas, que estávamos próximos das economias mais avançadas, e que com um pequeno esforço conseguiríamos manter esse posicionamento. Esta visão constitui, no entanto, uma ilusão. A hierarquia económica mundial está a sofrer uma poderosa alteração. Estima-se que dentro de 20 anos a China esteja a par dos EUA. A Ásia tornar-se-á, portanto, no centro económico do mundo.

Qual o segredo desta imensa transformação? Os modelos da teoria económica propõem a este respeito meia dúzia de argumentos principais. Contudo, o essencial da explicação sintetiza-se numa palavra: "educação".

É aqui, nesta área mais crítica de todas, que Portugal se arrisca a cair no logro da imutabilidade de hierarquias. Ao atraso a que nos votou a ditadura, seguiram-se décadas de esforços incrementais. E agora, depois da paixão emotiva, passou-se a uma fase de comedido "economicismo iluminado". Foi eleita como primeira prioridade a melhoria de eficiência, tanto no básico e secundário, como no superior. Esta perspectiva, no entanto, observa o problema apenas pela metade. Embora sem dúvida persistam enormes ineficiências no sistema educativo, tais ineficiências não são mais importantes que os chocantes défices de eficácia.

Em 2007 o orçamento do Ministério da Educação sofrerá uma diminuição de 4,2% em relação à despesa estimada de 2006. No Superior, o corte será ainda mais cruel, cifrando-se em 8,2% face ao orçamento de 2006. Se adicionarmos a estes valores uma inflação de 2 ou 3%, teremos cortes reais bem superiores. Verifica-se assim que, numa altura em que tudo era necessário para melhorar a situação do ensino, este é eleito para efeitos de economia orçamental. A mensagem que se está a transmitir é de que há dinheiro a mais na educação em Portugal. Será verdade?

A este respeito, vale a pena referir outros modelos de política educativa. Num extremo surgem os EUA, onde a inexistência de um "ministério da educação" constitui sinal de efectiva descentralização. Os resultados são conhecidos: excelência no topo, mas grande variância inter-grupos. No limite oposto estão os países nórdicos, onde uma abordagem consensualista e participativa tem produzido um muito bom e uniforme desempenho. Pelo meio surgem políticas como as que Berlusconi executou, sem norte estratégico, que vêem a educação como bem de luxo, não carente de suporte orçamental.

A orientação portuguesa recente nestas matérias levou já no básico e secundário à hostilização dos educadores e corre o risco, em 2007, de produzir o mesmo efeito no superior. Este contexto confrontacional suscita mais interrogações. Será possível concretizar as desejáveis reformas sem o envolvimento dos protagonistas-chave? Será que a desejável alteração do ‘status quo’ vigente apenas pode ocorrer por via do castigo orçamental? Não existirão incentivos positivos para estimular o avanço para os imprescindíveis níveis de qualidade e excelência?

A redução dos orçamentos públicos no básico e secundário e também no superior constitui um erro histórico. O sinal que o governo está a transmitir, às famílias e ao sector privado em geral, é que os gastos em educação não constituem uma despesa meritória. Não será seguramente por esta via que se melhorará a qualidade educativa e se conseguirá alcançar níveis de desempenho mais elevados.

2007 será, sem dúvida, um ano duríssimo para o sector em Portugal. Educadores e educandos sofrerão um ‘shake-out’ muito pouco socialista. Por este caminho, face aos rapidíssimos avanços noutros pontos do mundo, seremos em breve despromovidos, da liga dos planetas "principais" para a dos planetas "ignaros".

 
 
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