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31-01-2007        Diário Económico
Hoje em dia são crescentes as expectativas sociais em relação ao papel da universidade na resolução dos problemas da comunidade.

A universidade está na ordem do dia. A par das mudanças em curso impulsionadas pelo "Processo de Bolonha", anunciam-se reformas do seu modo de governação, do estatuto da carreira docente, do seu sistema de financiamento, da relação da universidade com a sociedade. Nalguns meios universitários o debate já começou, ainda que tenuemente, sob o pano de fundo do muito falado "Relatório de Avaliação do Sistema de Ensino Superior Português" elaborado por peritos da OCDE a pedido do Governo (Dezembro, 2006). Mas no enredado das questões que têm vindo a lume, uma não tem despertado a atenção dos comentadores, apesar da sua importância. Referimo-nos à relação entre a investigação científica e o ensino, questão aflorada no relatório da OCDE.

A função da universidade é, como se sabe, gerar, acumular e difundir conhecimento; por outras palavras, investigar e ensinar. No entanto, o modelo institucional que caracteriza actualmente esta instituição em Portugal, bem como o estatuto da carreira que, não por acaso, se chama "docente", privilegiam o ensino (ou seja, a difusão) em desfavor da investigação. Embora constituindo uma dimensão essencial da formação e o principal critério de avaliação para a progressão na carreira docente, a investigação surge secundarizada, em larga medida, face às obrigações e cargas lectivas.

Os conselhos científicos têm funcionado essencialmente como órgãos de gestão da carreira e do serviço docentes. Os orçamentos universitários não contemplam, verbas específicas de apoio à investigação, sendo afectados fundamentalmente à manutenção de um corpo docente ajustado às necessidades do ensino. Confrontados com este estado de coisas, os professores universitários foram tomando, ao longo das últimas décadas, a iniciativa de criar centros de investigação ou equivalentes. Normalmente localizados nas instalações da Universidade, estas entidades de natureza associativa e estatuto jurídico privado funcionam com autonomia e dispõem de flexibilidade administrativa que lhes permite mobilizar diversas fontes de financiamento, públicas e privadas.

É inegável o contributo destas unidades de investigação a dinâmica da ciência portuguesa e, em consequência, para a qualidade do ensino. Note-se que trabalham nelas, estatisticamente, 74% dos investigadores do nosso país. Para estes resultados contribuiu, sem dúvida, a acção governamental, incluindo a introdução do financiamento plurianual das unidades de investigação, a sua periódica avaliação internacional, o lançamento dos laboratórios associados e a expansão do programa de bolsas de doutoramento. Mas contribuiu também, e muito, o ambiente criativo e inovador, assim como a pluralidade e diversidade que oferecem as referidas unidades de investigação.

No entanto, têm sido os avaliadores destas unidades a admiti-lo, a sua produtividade e eficiência são afectadas pela não valorização do trabalho científico na gestão do serviço docente, bem como pela falta de devido reconhecimento das suas funções e utilidade. A produtividade dos "docentes-investigadores" ressente-se, assim, da crescente sobrecarga resultante da acumulação das obrigações de ensino e tarefas de gestão administrativa com as actividades de investigação. Esta fica, afinal de contas, remetida para os tempos que sobram... O problema acentua-se com o "Processo de Bolonha", que conduz a atribuir às unidades de investigação responsabilidades acrescidas no acompanhamento da realização de teses de mestrados e doutoramento. A solução deste dilema passa, necessariamente, por se assumir a prioridade do investimento público na universidade, sob pena de se hipotecar o futuro de Portugal na sociedade do conhecimento.

Hoje em dia são crescentes as expectativas sociais em relação ao papel da universidade na resolução dos problemas da comunidade em que se inserem: para além de produzirem saber e de o transmitirem, delas se espera que cooperem com as empresas na inovação tecnológica, que colaborem com as autoridades na realização de estudos de suporte a políticas e decisões, que formem "novos públicos", que promovam a cultura científica dos cidadãos.

A discussão da reforma da Universidade não deve por isso ficar-se pelos círculos tradicionais, sendo crucial que se alargue a amplos sectores da sociedade.