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07-02-2007        Diário Económico
Faz sentido que se queira saber se as profecias malthusianas actuais não estarão de novo erradas, como se verificou inúmeras vezes no passado.

O conceito de "rendimentos decrescentes", uma das pedras basilares da teoria económica moderna, foi proposto por Turgot, Ricardo e Malthus há cerca de dois séculos. A ideia por eles elaborada é simples e consiste no seguinte: a combinação de factores produtivos abundantes com factores produtivos escassos conduz, mais tarde ou mais cedo, a rendimentos decrescentes.

Na versão mais "dura" desta proposição, Thomas Malthus decretou que enquanto a produção agrícola apenas poderia aumentar de acordo com uma progressão aritmética (1, 2, 3, 4…), a população cresceria de acordo com uma progressão geométrica (2, 4, 8, 16…). Neste exemplo, o recurso abundante é a mão-de-obra, enquanto que a terra é o recurso escasso, em virtude dos solos com propensão agrícola existirem em quantidade limitada. O corolário da hipótese de Malthus é bem conhecido – mais tarde ou mais cedo devastadoras fomes acabariam por contrariar o excessivo crescimento populacional, reduzindo o número de humanos a uma escala que diríamos, hoje em dia, "sustentável". Graças a esta profecia, essencialmente não verificada até à actualidade, Malthus veio a integrar a galeria dos pensadores pessimistas, ao lado de filósofos como Schopenhauer, Nietzsche ou Kierkegaard.

Apesar de nem todos concordarem com a visão radical de Malthus, os "rendimentos decrescentes" foram integrados nos desenvolvimentos teóricos da Economia nos últimos 150 anos, embora uma visão predominante seja de que em determinadas circunstâncias há "rendimentos crescentes" que contrabalançam o efeito negativo dos "rendimentos decrescentes". Existem até alguns economistas, como Paul Romer, que admitem estarmos a viver uma nova abundância. De acordo com estes novo optimismo, rendimentos crescentes incessantes seriam possíveis dado a economia se basear agora num recurso inesgotável, o conhecimento.

Há a assinalar, neste debate entre optimistas e pessimistas, o surgimento regular de perspectivas neo-malthusianas, que ciclicamente anunciam desgraças apocalípticas para o dia de amanhã. Em 1972, por exemplo, uma equipa liderada pelo casal Donella e Dennis Meadows, publicou o muito influente estudo "Limites ao Crescimento". Esta investigação revelava que o mundo entraria em breve em colapso, caso não se verificassem alterações radicais nos padrões de consumo. Previa-se, por exemplo, que as reservas de petróleo se esgotariam em 20 anos.

O impacto que o filme de Al Gore "Uma verdade inconveniente" tem tido, pode de algum modo ser comparado ao que "Limites ao Crescimento" teve há mais de 3 décadas. Ao fazermos esta comparação, dever-se-á contudo considerar se a análise de Gore tem um fundamento tão frágil quanto o livro dos Meadows. Infelizmente, "Uma verdade inconveniente" parece gozar de uma base científica incomparavelmente superior. Na verdade, o aquecimento do planeta, o degelo das calotes polares, a subida do nível médio das águas do mar, a intensificação de fenómenos naturais como o ciclone Katrina e a possível alteração das correntes oceânicas, com fortíssimos impactos esperados nas zonas temperadas do planeta, parecem ser consequências directas do enorme aumento nos níveis de concentração de CO2 na atmosfera.

Sabendo que esta escalada no CO2 se iniciou com a primeira Revolução Industrial, poderemos cogitar se o que estamos a observar não é mais que uma vingança retroactiva de Thomas Malthus. Nesta leitura, o iminente armagedão ambiental constituirá resultado directo de um progresso material sem precedentes na história da humanidade, apresentando-se como uma pesadíssima factura por termos desrespeitado a "lei dos rendimentos decrescentes". Em suma, teremos agora de pagar a conta de dois séculos de desenfreada exploração de recursos e abuso ambiental, sem sequer nos ser dada a possibilidade de recorrer a um plano de pagamentos a prestações…

Com base numa muito saudável dúvida metódica, faz porém sentido que se queira saber se as profecias malthusianas actuais não estarão de novo erradas, como se verificou inúmeras vezes no passado. Para além da poupança energética e da mudança para energias renováveis, outras tecnologias como a captura ou sequestro de carbono e a reengenharia planetária, com filtragem ou reflexo da luz solar, parecem conter a promessa de poderem eficazmente contrariar o aquecimento global. Nesta base, poder-se-á admitir, com algum optimismo, que o desenvolvimento científico e tecnológico trará resultados por ora ainda imprevisíveis.

No entretanto, e até que tais avanços sejam palpáveis, será talvez preferível aderirmos a um (provavelmente mais saudável ainda!) princípio da precaução.

PS: Sugere-se que esta crónica seja lida ao som de "The Saints Are Coming", o tributo que os U2 e Green Day prestaram aos habitantes de Nova Orleães após a devastação do Katrina.


 
 
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