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28-02-2007        Diário Económico
Uma amiga minha dizia-me, com mágoa, que os Portugueses deixaram de valorizar a poupança. De facto, assim é: as nossas taxas de poupança têm vindo a declinar continuadamente. A poupança faz-se hoje fundamentalmente para sustentar a aquisição de casa própria. Este é, no entanto, infelizmente, um dos grandes factores de bloqueamento e de ‘sedentarismo’ da sociedade portuguesa. A compra de habitação própria é uma fortíssima barreira à mudança, à aceitação de novos desafios.

A este facto veio juntar-se mais recentemente um outro: a proliferação do crédito ao consumo. O endividamento das famílias é cada vez maior. O crédito não associado à habitação (na sua grande maioria, crédito ao consumo e à aquisição de viaturas) representa quase 20% do crédito concedido às famílias, de acordo com o Banco de Portugal. Criam-se Gabinetes de Aconselhamento e o Banco de Portugal vem periodicamente alertar para o problema. O negócio é excelente: basta olhar para a multiplicação da publicidade nesse sentido. Já repararam como o estímulo à poupança praticamente desapareceu da publicidade da Banca em Portugal?

Estes elementos sugerem que a população portuguesa atribui uma elevada taxa de desconto aos rendimento futuros. Isso poderia ser interpretado como positivo, no sentido de indicar uma flexibilidade, uma adaptação a uma mudança rápida. Poderia argumentar-se mesmo que isso será fundamental num Mundo em que o ritmo de mudança não tem paralelo na História. Mas será assim?

Penso que não. Dispenso-me de abordar aqui a questão da sustentabilidade da Segurança Social. Prefiro antes sublinhar que a grande maioria do endividamento das famílias não se destina a criar valor e a alargar horizontes de futuro. Como referi, os empréstimos à habitação vêm, em minha opinião, fechar horizontes e reforçar a resistência à mudança. O crédito ao consumo, por seu turno, nem cria valor nem alarga horizontes. Em contrapartida, o apoio ao empreendedorismo qualificado continua a ser insuficiente – e temos sérias dúvidas sobre se o novo Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN) não virá a ser uma oportunidade perdida para induzir uma mudança neste campo.

Mas o insustentável peso do presente não se expressa, infelizmente, apenas na poupança financeira. Ele traduz-se numa outra dimensão com consequências bem mais graves. Refiro-me à poupança ambiental.

Também aqui desvalorizamos o futuro. Basta olhar para os problemas da sustentabilidade da nossa zona costeira – muitos deles devidos ao egoísmo de indivíduos ou grupos, à ganância de alguns e genericamente à falta de consciência ambiental. Ou ver como por ausência de um espírito básico de cidadania, sítios aprazíveis são conspurcados por lixo. Ou ainda constatar o desperdício de água...

Recentemente, em passeio pelo Baixo Alentejo – uma das regiões onde as carências de água são mais acentuadas e o risco de desertificação, maior – deparei com situações de insuficiente cuidado na gestão da água. Torneiras temporizadas com tempos de débito extremamente longos, para não falar de um caso onde se registou uma avaria que parecia já ter-se tornado num hábito. Dir-me-ão: os custos são suportados pelos proprietários, neste caso de restaurantes e hotéis. É verdade, no curto prazo. Mas não serão também suportados por nós, no médio/longo prazo?

A este respeito temos muito a aprender, por exemplo, com Singapura onde a água constitui um tópico central na gestão ambiental. Onde, por exemplo, a temporização das torneiras é substancialmente menor. Onde a empresa pública das águas foi considerada como uma das mais inovadoras no País, nomeadamente pela sua capacidade de gestão integrada dos recursos hídricos. Essa empresa tem programas sistemáticos de formação de jovens na utilização eficiente da água. Vemos isso em Portugal?

Neste quadro surpreendo-me com um título do Público de 25 de Fevereiro: ‘Efluentes dos esgotos do Algarve chegavam para regar todos os campos de golfe da região’. Dos mais de trinta campos existentes, apenas um (o dos Salgados) é regado integralmente recorrendo à reutilização dos efluentes. Porque não é mais generalizada esta prática? Não deveria haver regulamentação a este respeito?

Na mesma notícia dizia-se que as obras de renovação das ETAR e a certificação da água para rega estão dependentes de investimentos e de um processo burocrático que irá demorar entre quatro a seis anos. Porquê tanto tempo? Não justificaria uma acção deste tipo o estatuto de PIN (Projecto de Interesse Nacional) bem mais do que certos projectos supostamente turísticos, mas sobretudo imobiliários, no litoral alentejano?

Curiosamente, segundo um recente inquérito do Eurobarómetro, os Portugueses são quem, na Europa, vê o futuro de forma mais risonha. Não me parece, no entanto, que estejamos a actuar, enquanto sociedade, nesse sentido. Porque se continuarmos a viver assim hoje – alguém pagará amanhã!