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30-04-2004        Público
As recentes propostas do MCES indicam a importância de dinamizar o emprego científico e radicar cientistas portugueses em Portugal. Mas ao contrário do que tem sido referido este não é um problema de investigadores com 100 artigos internacionais (para além de todas as limitações deste critério), mas antes do conjunto de jovens doutorados formados nos anos mais recentes.

Os números disponíveis são exemplificativos. Portugal tem apresentado das mais altas taxas de crescimento de doutorados na Europa tendo em 2002 sido registados em universidades portuguesas 952 doutoramentos, obtidos em Portugal ou no estrangeiro. Mas de 1271 vagas publicadas em 2002 e 2003 no portal de emprego da Fundação para a Ciência e Tecnologia, apenas 19 (6 em 2003!) corresponderam ao lugar de Professor Auxiliar, o lugar de entrada, com doutoramento, para a carreira docente universitária. Pelo contrário, numa opção pela redução orçamental, e talvez pela ‘prata da casa’, face à maior qualificação, provas dadas e renovação representada por doutorados, foram abertos concursos para 87 lugares de Assistente ou Assistente Estagiário (51 em 2003) nestas instituições. Ou seja, apesar de existirem em Portugal cerca de 1000 novos doutorados por ano, continua a ser mais fácil entrar para a carreira docente universitária sem o doutoramento!

As preocupações centrais da universidade portuguesa são essencialmente de gestão dos recursos existentes e não de atracção de novos recursos. A progressão de carreira representa o grosso destes concursos. Comparativamente aos 19 lugares de Professor Auxiliar foram abertos nestes dois anos 356 vagas para Professor Associado e 204 para Professor Catedrático. Em termos de ensino superior as maiores mudanças dão-se neste momento ao nível do ensino superior politécnico onde foram abertas 158 vagas para Assistente, 242 para Professor-Adjunto e 92 para Professor-Coordenador. Mas também aqui o doutoramento não é necessariamente um requisito para o recrutamento de novos docentes.

A situação nos laboratórios do estado, empregadores de perto de 20% dos investigadores em Portugal, não é significativamente diferente, apenas mais grave na sua dificuldade de rejuvenescimento, tendo sido anunciadas apenas 8 vagas para lugares de Investigador Auxiliar, correspondente à entrada na carreira com doutoramento.

Os Laboratórios Associados têm tido um papel fundamental no emprego científico neste período, tendo aberto 70 vagas para Investigadores Auxiliares, tornando-se assim elementos centrais na atracção de novos investigadores e no desenvolvimento futuro do sistema.

A situação não é significativamente diferente no que se refere às empresas. O programa existente de apoio à contratação de doutorados e mestres tem tido uma procura diminuta pela parte das empresas. As novas bolsas de doutoramento em ambiente empresarial poderão vir a ser uma fonte de mudança de cultura de mobilidade entre estes sistemas. Iniciativas semelhantes com vista à requalificação da administração pública devem também ser fomentadas.

Para o objectivo de reter a excelência em Portugal estes números são paradoxais. Apesar de se esperar que os jovens investigadores de excelência sejam acarinhados e apoiados, as oportunidades de emprego científico são muito reduzidas, nomeadamente na universidade onde que são virtualmente inexistentes. Esta é uma questão central a que as recentes propostas não respondem. Não só demonstra que o que está em causa não é apenas atrair 10, ou 20, investigadores de topo actualmente no estrangeiro mas sim garantir que vão existir oportunidades para os jovens que escolherem carreiras científicas, e para aqueles que ainda nestas se mantêm com a perspectiva da próxima bolsa. Até quando?

A questão do emprego científico não é assim apenas uma questão individual mas é essencialmente uma questão estrutural e estratégica de distribuição no sistema de ensino e de investigação dos recursos humanos existentes. A integração da ciência e do ensino superior poderá ser benéfica neste campo se contribuir para promover a utilização dos recursos humanos mais qualificados numa lógica que transcenda as lógicas internas de instituições, e acabe de vez com a sua endogamia. Que integre estratégias de formação de recursos humanos avançados com a sua inserção nos diversos sectores de actividade.

O grande desafio de uma política de investigação é saber apoiar o trabalho consistente, persistente, de qualidade de uma carreira (como o pretende fazer esta medida, ainda que com fortes limitações), e ao mesmo tempo o trabalho inovador, arriscado e também de qualidade dos jovens investigadores na idade tradicionalmente mais produtiva, que caem fora das malhas destas teias quantitativas.

 
 
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Tiago Santos Pereira