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08-03-2006        Diário Económico
É a tecnologia nuclear uma competência tecnológica nuclear em Portugal? Poderá vir a sê-lo?

O conceito de competências nucleares (’core competencies’), distintivas de uma empresa, proposto por C.K. Prahalad e Gary Hamel, marcou os estudos de gestão da década de 90. O conceito foi posteriormente desenvolvido nos estudos de inovação. Surgiu assim o conceito de tecnologias nucleares (’core technologies’), ou de competências tecnológicas nucleares de uma empresa. Esta perspectiva acentua a importância da base de conhecimento tecnológico de uma empresa no desenvolvimento de inovações, centrais à sua competitividade. Acentua também o carácter cumulativo da produção de conhecimento tecnológico. A inovação tecnológica emerge não do nada mas sim com base nas competências tecnológicas da empresa, que a distinguem, que lhe são nucleares. Também os países se distinguem pela base tecnológica das suas empresas. Ou seja, a inovação tecnológica nas empresas desenvolve-se no contexto da base tecnológica de um país.

Tendo sido reaberta a discussão em torno da instalação de uma central de produção de energia nuclear em Portugal, tal discussão não pode deixar de incluir a sua dimensão tecnológica e das competências tecnológicas nacionais. É a tecnologia nuclear uma competência tecnológica nuclear em Portugal? Poderá vir a sê-lo?

O que está em causa não é apenas uma decisão de racionalidade económica imediata, face aos actuais custos de produção de energia. Tamanho investimento, em matéria de tão acentuada dimensão tecnológica, não se pode reduzir à questão energética. Esta é, também, uma questão de política tecnológica. E uma questão política! Ainda que integralmente suportado pelo sector privado nos seus custos directos tal investimento requer necessariamente complemento público indirecto. Desde logo na sua regulação. Mas também na necessidade da existência de uma base tecnológica apropriada ao seu desenvolvimento, na formação dos necessários recursos humanos qualificados, na garantia das condições de segurança pública e de gestão do risco. Foi precisamente esse o investimento que foi feito através da Junta de Energia Nuclear e dos Centros de Estudos de Energia Nuclear na segunda metade do século passado, mas que faz neste momento parte da história da política tecnológica nacional. Resta a opção de uma operação ‘chave-na-mão’, não só no investimento inicial mas no recurso posterior continuado a tecnologia externa… Pelo contrário, o investimento em tecnologias energéticas, ainda emergentes ou em desenvolvimento, como a energia das ondas, solar ou eólica, pode contribuir para o desenvolvimento de um novo perfil tecnológico nacional.

Não sendo assim o nuclear uma competência tecnológica nuclear em Portugal, outras questões ganham uma importância suplementar. Desde logo a questão da sua segurança. Mas esta perspectiva salienta também uma questão de ética, económica e política. O melhor exemplo vem do Irão. Quando a Agência Internacional da Energia Atómica se levanta contra os intentos do Presidente Iraniano não o faz porque o Irão esteja a construir armas nucleares. Não existe evidência disso. Fá-lo, isso sim, porque o conhecimento de base tecnológica para os objectivos civis e militares é idêntico, têm idênticas tecnologias nucleares.

Donald Mackenzie perguntava, no seu trabalho clássico sobre os mísseis balísticos: será possível desinventar as armas nucleares? Concluía que tal não seria possível enquanto o conhecimento tácito necessário para a sua produção existir – precisamente o que o governo iraniano tenta agora garantir.

A política tecnológica também tem assim questões morais. O que está em causa não é apenas uma central nuclear. É também o apoio ao desenvolvimento continuado da sua tecnologia, nuclear a todo um complexo militar-industrial que se desenvolveu durante a guerra-fria e que os seus promotores querem expandir para novos mercados, agora que os EUA, o seu mercado original, crescem com base numa nova economia.

É a opção pelo desenvolvimento de outras tecnologias nucleares para a produção energética que Portugal deve tomar. Por um novo conceito de ‘dual-use’ – energia e ambiente.

 
 
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Tiago Santos Pereira