07-06-2006 Diário Económico
O reduzido "emprego científico" têm vindo a levar muitos jovens doutorados a procurar oportunidades no estrangeiro.
"Fuga de cérebros". Este conceito criado em meados do século passado na Europa, entretanto reformulado para o contexto das relações Norte-Sul, ressurge de novo na Europa, e emerge também em Portugal. Depois de vários anos de apoio público nacional à formação científica avançada, as reduzidas oportunidades de "emprego científico" têm vindo a levar muitos jovens doutorados a procurar desenvolver o seu percurso científico no estrangeiro.
A figura do "emigrante científico", em conjunto com a do "bolseiro" e do "empreendedor tecnológico", corresponde a um de três diferentes percursos científicos alternativos à escassez de oportunidades existentes no sector público, por razões demográficas e financeiras, e à ainda reduzida procura, no sector privado, de pessoal altamente qualificado.
No meio desta situação pouco promissora parece surgir agora uma nova via de emprego científico em Portugal (já percorrida em menor grau através dos Laboratórios Associados). A Fundação para a Ciência e Tecnologia tem em curso uma iniciativa que pretende criar 1000 novos empregos científicos entre 2007 e 2009. Tendo em conta números anteriores, esta oportunidade de contratação de doutorados, actualmente em fase de convite a manifestação de interesse, promete alterar radicalmente a situação actual.
Vejam-se alguns números. Segundo os últimos dados disponíveis, o número de doutorados no sistema de investigação ascendia em 2003 a 12152. Esta iniciativa corresponde assim a um aumento potencial de quase 10% no total de doutorados no sistema. Se tivermos apenas em conta o tempo efectivamente utilizado em investigação (ETI) o total corresponde a 6204,8 doutorados, pelo que estes novos investigadores em exclusividade poderão corresponder a um aumento de cerca de 15%. Sendo registados anualmente em Portugal cerca de 1000 novos doutoramentos, os 500 novos lugares a abrir em 2007 prometem absorver metade dos novos doutorados (na verdade, para garantir um currículo científico adequado, exigem-se três anos de experiência em pós-doutoramento).
É sem dúvida uma iniciativa importante, que deverá alterar as perspectivas de carreira científica em Portugal para muitos jovens investigadores. Mas é importante não nos quedarmos no efeito dos números. Desde logo, será difícil manter um mesmo ritmo de criação de novos lugares em anos subsequentes. Se esta mudança não desenvolver novas dinâmicas no sistema actual de emprego científico, pode-se apenas esperar que as actuais dificuldades de emprego científico ressurgirão pós-2009, ao mesmo tempo que novas questões emergem.
Não se trata apenas da capacidade de absorção destes recursos na investigação. É também uma questão da capacidade das políticas públicas de dinamizarem a valorização social, e assim a procura, destas qualificações avançadas, reconhecendo o seu contributo para a capacidade de mudar, de inovar, em empresas, administração pública ou terceiro sector.
Mas também na investigação há várias questões ainda em aberto. Enquanto o emprego científico for uma questão geracional, dependente das promessas dos responsáveis políticos, por ciclos, e o sistema não for capaz de desenvolver formas internas de renovação e de criação de oportunidades sustentáveis, com base no mérito, uma parte dos jovens investigadores que escolhem ir para o estrangeiro continuarão a fazê-lo – e é importante que outros o continuem a fazer, mas não por desencanto com o sistema.
Para que tal não aconteça será necessário, por um lado, garantir que os novos doutorados têm as condições adequadas para desenvolver investigação, através de financiamento estável, com concursos programados e periódicos, e que estes projectos contribuam para a sustentabilidade dos novos lugares, financiando adequadamente os recursos humanos, e permitindo novos modelos de incentivos.
Por outro lado, esta "terceira via" que se cria, fora das carreiras públicas existentes e do sector privado, deve também enquadrar devidamente condições de progressão, quer próprias quer através de mobilidade entre carreiras. Para tal, mais do que um novo Estatuto da Carreira Docente Universitária, que privilegia a progressão interna, será necessário um novo Estatuto do Investigador, que facilite verdadeiramente a mobilidade e reconheça a existência destes múltiplos percursos científicos.