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05-07-2006        Diário Económico
Não seria pouca coisa se o PNPOT juntamente com o Plano Tecnológico fossem os dois grandes elementos de formatação das políticas públicas estruturais.

Está em discussão pública o PNPOT – Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território. É o documento em que se definem as grandes linhas de organização do território nacional: configuração do sistema urbano, redes por onde correm as mobilidade, infra-estruturas que dão espessura ao território e o relacionam com o mundo.

Há duas atitudes liminares a partir das quais se pode deduzir a apreciação de um exercício destes. Uma consiste em reiterar a ideia de que a litoralização, as assimetrias e a cultura da desordem prevalecem sempre para lá da letra de um programa voluntarista, o qual, nestas condições, pode ser um mero exercício de "retórica" política. A outra postula que o compromisso político é essencial para a ‘accountability’ das políticas públicas, que estas carecem de visibilizar as suas retóricas (a retórica conta, tal como as instituições e o território…) e que é possível intervir intelectual e politicamente sobre o modo como nos organizamos.

O PNPOT, olha o "país por dentro" - aquilo que o forma, o transforma e lhe dá dinamismos ou inércias. É uma visão constitucional sobre o que nos estrutura e projecta. Isto corresponde a começar o planeamento por onde ele deve começar. Num país de planeamento pletórico, onde numerosos instrumentos se sobrepõem, contradizem e ignoram reciprocamente, não é despiciendo dispor de uma matriz do país e de princípios de ordenamento territorial das políticas públicas. Aliás, vale a pena dizer que não seria pouca coisa se este programa, juntamente com o Plano Tecnológico (opine-se sobre ele como se opinar) fossem os dois grandes elementos de formatação das políticas públicas estruturais, reduzindo o caos, clarificando as opções e evitando que nos esgotemos a discutir sempre novas prioridades, através de siglas que já ninguém retém. A governabilidade seria, então, bem melhor e os cidadãos poderiam pedir contas de forma esclarecida.

Dos múltiplos aspectos em que pode assentar a discussão do PNPOT ouso isolar apenas dois: o "mapa" com que se representa o país e a opção clara por uma visão urbana do desenvolvimento. O "mapa" é desenhado a partir das estruturas materiais em que o país assenta, isto é, das "localizações" e dos "fluxos" do território. Localizações são os espaços onde se aglomeram e fixam pessoas, equipamentos e competências: os sistemas urbanos territoriais ou, mais prosaicamente, as cidades. Os fluxos são os grandes eixos de mobilidade, as ligações entre aqueles sistemas e entre o país e o exterior.

A convicção que tenho é que tanto umas como outros desenham o país com um tamanho que não é apenas o da estreiteza com que muitos insistem em vê-lo, pois mesmo algumas das nossas melhores cabeças ignoram o território ou reduzem-no a esquemas apressados e pobres. No PNPOT, o "mapa" do país é composto pelas áreas metropolitanas de Lisboa (uma região decisiva para o país no seu conjunto, e pela qual passam as grandes opções de desenvolvimento) e do Porto, mas também pelas áreas policentradas de urbanização do Centro litoral (o "polígono" formado por Coimbra, mais Leiria, Aveiro e Viseu) e do Algarve e pelos sistemas urbanos do interior, concebido em complementaridade e cooperação. A opção pelo urbano só pode ser entendida como opção pela qualidade, pela inovação e, dado o "mapa" desenhado, pelo equilíbrio do território, isto é, por uma mobilização ampla e articulada dos nossos melhores recursos (na urbanidade do "interior" ou nos lugares mais cosmopolitas das "metrópoles").

O PNPOT destina-se a ser aprovado na Assembleia da República. Provavelmente vai sê-lo por unanimidade, com tantas outras leis de bases. A sua ineficácia pode começar aí. A urgência de um consenso real depende de clarificarmos bem o que vemos nele, em vez de todos lá verem tudo, por mais contraditório que seja. Eu vejo no PNPOT uma opção pela organização de sistemas urbanos articulados, em vez de dispersão bairrista e municipal, e vejo o compromisso com um país em que todos os recursos de todo o território são mobilizados. É a partir daqui que tenciono "pedir contas" acerca do modo como se aplicarem, ao longo de uma geração, as políticas públicas de um país em tamanho real...


 
 
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José Reis