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05-12-2017        Público

A União Europeia apresentou recentemente as suas conclusões sobre a Missão de Observação Eleitoral (MOE) a Timor-Leste, nas legislativas de Julho. Em síntese, há que reforçar o controlo do financiamento das campanhas, uma lacuna que persiste há anos. Os media têm também de ser regulados, para uma cobertura mais equilibrada das candidaturas. Por último, e de forma alguma de menor importância, a Comissão Nacional de Eleições tem de ter os seus poderes reforçados — invertendo o sentido da reforma legislativa de 2015-16, que reduziu ainda mais o poder deste órgão, acentuando a sua dependência das instituições de poder.

As eleições legislativas de Julho foram livres, justas e democráticas, salienta também a MOE. Este será talvez um dos pontos centrais a reter, destacando o progresso assinalável que Timor tem vindo a fazer neste sentido. O país tornou-se independente em 2002, após a Consulta Popular levada a cabo pela ONU em 1999. Foi também a partir desta data que sucessivas missões da ONU permaneceram no país. O objectivo era garantir a paz, mas também (re)construir um país que emergia praticamente das cinzas. Dotado de uma sociedade civil muito forte, nomeadamente instâncias e autoridades tradicionais, o mesmo não se podia dizer do Estado democrático, o qual urgia desenhar.

Em pouco mais de uma década, a conquista é notável. Desde muito cedo as elites timorenses tiveram uma ideia bastante clara de que instituições queriam para o seu país. Mesmo e apesar da presença da ONU, através de sucessivos desdobramentos, muito cedo os timorenses deixaram-na num papel de observador. As instituições foram desenhadas com intentos precisos. O sistema semipresidencialista permite um equilíbrio, às vezes na ponta da espada, entre o Presidente da República, o Governo e o Parlamento. As eleições presidenciais são, assim, um passo decisivo para a futura formação de um governo, advindo das eleições legislativas. O sistema é tão parecido e tão diferente do português que a ideia de uma “geringonça” (no sentido que veio a ter em Portugal) foi levada a cabo em Timor desde 2007, com notável estabilidade. Inovação institucional foi coisa que não faltou, com uma grande elasticidade — e sempre dentro dos limites de cada uma dessas instituições.

As eleições legislativas, que tive oportunidade de observar, decorreram sem sobressaltos. Tudo se afigurava como mais uma eleição normal, na vida normal de um qualquer país. Não houve incidentes, o dia correu pacífico e até à noite já havia gente na rua (facto não tão comum em países em desenvolvimento). Por isso, nada para ver. Os resultados teriam de esperar alguns dias e a vitória foi à tangente. Os dois maiores partidos alternavam e o CNRT, de Xanana Gusmão, ficava agora em segundo, a pouca distância da Fretilin, partido histórico em Timor — tendo embora ambos o mesmo número de deputados. Não havia maioria absoluta e nos restantes partidos, incluindo os mais pequenos, estaria tal soma de mandatos. Após anos na oposição, a Fretilin havia apoiado o governo do CNRT a partir de 2015 (quem disse que as instituições são rígidas?), e a expectativa era agora a do oposto. Xanana Gusmão declarou, com naturalidade, que o partido não procuraria formar governo aliado a partidos mais pequenos, e que assumiria o seu lugar numa oposição construtiva.

No entanto, surgem novamente as surpresas e a situação política em Timor está outra vez em ebulição. A Fretilin formou governo, com membros de outros partidos (incluindo o anterior número dois de Xanana Gusmão, Agio Pereira). No processo de negociações, com todos os partidos, foi perdendo apoios formais, tendo apenas o Partido Democrático (PD) acedido a uma coligação, minoritária. Na apresentação do programa do Governo ao Parlamento, a oposição unida submeteu-o a votação e chumbou-o. Meses depois, começam os rumores de moção de censura. A oposição, maioritária, já a apresentou e exige a sua discussão — se aprovada, o Governo cai.

Entretanto Timor vive num impasse. O Governo toma posse, a sua lei orgânica é promulgada e tenta passar-se uma imagem de naturalidade. Mas não há orçamento e nem sequer programa de Governo, cuja segunda versão não foi ainda submetida. Xanana Gusmão continua ausente do país (desde Julho) e, na semana passada, os líderes dos partidos da oposição divulgaram imagens de um encontro em Singapura, onde terão firmado apoio mútuo. Em Timor, descontando os rumores, permanecem incógnitos os pontos deste dissenso, que imobilizam o país. Os órgãos do Estado ficam num limbo paralisado, que ameaça durar meses. Caindo o Governo, o Presidente da República terá de decidir o que fazer: empossar um novo (composto por quem?), eleições antecipadas (que só podem ter lugar depois de Janeiro) ou procurar novo entendimento alargado?

Timor segue neste vazio, em que nada parece claro e em que até uma reunião tão decisiva tem lugar fora do país. A substância do desacordo, seja ela política ou de protagonismo, nunca é referida por nenhum dos intervenientes. Apesar da pacatez das eleições, e da perspectiva da normalidade democrática, houve de novo surpresas, que permanecem no ar, e cujas motivações estão ausentes de debate público. Espera-se que a via institucional permaneça, nisso incluindo a democracia, e sobretudo a possibilidade de escrutínio público e transparência das decisões tomadas. Só isso permitirá aprofundar a construção democrática, fazendo com que os cidadãos confiem nas instituições que elegem, através do desempenho de um papel claro no Estado e na arquitectura democrática. 


 
 
pessoas
Carla Luís



 
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