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04-10-2006        Diário Económico
As instituições custam (nos vários sentidos do termo) a serem construídas. Exigiram tempo, esforço humano, implicaram emulação e concorrência.

Na economia, como noutras disciplinas, deu-se no último quarto de século aquilo que se convencionou chamar um ‘institutional turn’. Quer dizer, as instituições tornaram-se um tópico central da análise económica. O que é que isto significa? Significa, em primeiro lugar, a passagem do enfoque no indivíduo e numa racionalidade individual estritamente balizada por um modelo comportamental racionalista, independente dos próprios sujeitos e tendencialmente universal (o ‘homo economicus’) para um enfoque nas instituições políticas, legais e sociais que definem as sociedades. Faz parte deste mesmo passo a adopção da noção de que as instituições são, evidentemente, uma variável decisiva do desenvolvimento histórico do capitalismo. Foi por aqui que passaram as boas razões que levaram a premiar com o Nobel pelo menos três economistas sofisticados, D. North, R. Coase e H. Simon e até um econometrista, T. Haavelmo.

Acontece que as instituições – a que, hoje em dia, todos garantem apreço, em nome da "boa educação" económica, e para que não se firam as regras de cortesia – não são algo a que se chega através de um simples e abstracto processo de agregação dos comportamentos dos indivíduos, tão comum na análise económica. Elas antecedem-nos e estão para além deles, como tem mostrado, melhor que todos, G. Hodgson , que no próximo dia 13 dá uma lição no Programa de Doutoramento em Governação, Conhecimento e Inovação da Faculdade de Economia e do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Ora, quando se pensam assim as instituições, entra-se no campo rico e crítico da especificidade histórica. De facto, as instituições não são um dado. Mas, além disso, elas estão estritamente associadas a um outro pilar teórico do debate económico, também recentemente reabilitado – o conceito de preferências endógenas, que significa que as pessoas formam as decisões através de interacções intensas de natureza contextual, política e social, e não de modo abstracto e "divinamente" oferecido e guiado. Quer isto dizer que as instituições custam (nos vários sentidos do termo) a serem construídas. Exigiram tempo, esforço humano, implicaram emulação e concorrência. Por isso, se é certo que a sua utilidade mais imediata é a de organizarem o caos que existiria na ausência de normas, regras, leis – reduzindo a incerteza e possibilitando uma acção previsível – é também certo que a consequência mais durável da formação de instituições é a sua própria consolidação e espessura. As instituições são a própria representação das realidades sociais que mapeiam o mundo (nações, culturas económicas, realidades regionais, inovações: as bases do crescimento e dos progressos que nos trouxeram até hoje, afinal). É por isso, também, que sabemos o que é previsível na sociedade inglesa (cumprir rigorosamente as obrigações fiscais, por exemplo), o que não o é na sociedade americana (contar com a solidariedade estatal para um pobre ser tratado numa doença) e o que está no cerne da atitude tácita dos japoneses (evitar o uso da conflitualidade através dos tribunais e a judicialização dos problemas).

Prolongando esta mesma linha de raciocínio chegamos rapidamente à ideia de que, ao lado das diferentes performances económicas que caracterizam os países, estes se distinguem também por diferentes complementaridades institucionais, isto é, por diferentes estruturas institucionais. Quer isto dizer que há vários modos de se conjugarem e tornarem coerentes as cinco "formas institucionais" mais relevantes: a organização dos mercados, a relação salarial e as instituições do mercado de trabalho, a intermediação financeira e a corporate governance, a segurança social e o sistema educativo. Definem-se, portanto várias modalidades de capitalismo. Tudo isto é o resultado de compromissos que foram sendo estabelecidos, de um papel decisivo da política e do jogo social, de comportamentos estratégicos diferenciados. Se seguirmos, como já o estou a fazer, Bruno Amable, num livro notável ("Les Cinq Capitalismes", Paris, Seuil, 2005), haverá, então, pelo menos cinco capitalismos: o liberal de mercado, o asiático, o europeu continental, o social-democrata e o mediterrânico. E não um. Muito menos um "bom", para onde havemos de ser conduzidos à força, guiados por iluminadoso.

Vem isto a propósito de um acontecimento no Beato que há dias encheu as páginas dos jornais e que nos apontava um único capitalismo, ainda por cima, um capitalismo selvagem, embora apresentado em salão? Claro que sim! Apetece regressar às coisas simples, e afirmar, prosaicamente, que, de facto, o mundo é muito maior do que parece... Mas também podemos optar pela fórmula antiga: "chapéus há muitos..."

 
 
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José Reis