Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
22-11-2006        Diário Económico
Trata-se de usar o importante activo que Lisboa é no país para robustecer todo o litoral no seu conjunto.

Há oito dias, Manuel Mira Godinho publicou nesta mesma coluna um texto sobre a economia das megacidades. Mostrou-nos que a renovação permanente dos processos criativos resultantes do desenvolvimento urbano e da aglomeração de pessoas num mesmo lugar conhece hoje "combinações novas" e fenómenos inesperados.

De facto, torna-se cada vez mais claro que as sociedades contemporâneas são sociedades de co-presença. Uma percentagem largamente maioritária das pessoas e dos recursos aglomeram-se em situações de proximidade recíproca, onde interagem intensamente. Além disso, sabe-se que a inovação, a criatividade e o cosmopolitismo ocorrem em lugares onde se conjugam pessoas, serviços, produção, saberes, lazeres, aprendizagens, instituições, interacções. O território não desapareceu e, pelo contrário, reafirma-se.

Sou um dos que acham que a co-presença (isto é, a aglomeração e a proximidade) é, na sua essência, mais importante do que a conectividade para entender as sociedades contemporâneas. São, aliás, largamente conhecidos os efeitos daquilo a que os economistas chamam "economias de aglomeração": há benefícios (rendimentos crescentes) que só a proximidade traz.

É certo que as aglomerações exigem e implicam conectividade, quer dizer capacidade de relacionamento rápido. Mas trata-se justamente de conectividade entre os que começam por se aglomerar em cidades, metrópoles, megacidades. É entre estes espaços concretos – não na estratosfera de uma globalização abstracta – que as relações se desenvolvem e tornam criadoras. Por isso, o conceito de "economias de conectividade" pode ser tão sólido como o de economias de aglomeração: mede-se pela minimização dos tempos de acesso entre economias de aglomeração ou, alternativamente, pela maximização das economias de aglomeração que cabem num intervalo de tempo de deslocação curto. As economias de aglomeração e de conectividade são, evidentemente, noções territoriais. São espaço-tempo.

E em Portugal, onde não há megacidades, nem grandes metrópoles ou grandes cidades e onde até as cidades médias são pequenas? Em Portugal é preciso "inventar". E isso requer uma atenção redobrada para compreendermos bem onde está a urbanidade de que depende a possibilidade de nos qualificarmos. E importa também saber se, em face disso, há economias de conectividade decisivas para fortalecer o nosso lugar, enquanto país, no jogo de relações que nos envolve.

Do ponto de vista da afirmação de uma escala relevante, são duas as grandes estruturas urbanas do país: Lisboa e a sua região de proximidade, por um lado, e, por outro lado, todo o contínuo urbano litoral que vem da área de proximidade do Porto até Lisboa e cujos componentes principais são a própria aglomeração urbano-industrial do Noroeste e o polígono Leiria-Coimbra-Aveiro-Viseu (uso expressões consagradas em documentos de planeamento). Esta aglomeração tem a dificuldade de ser contínua e polinucleada: não é, portanto, uma metrópole convencional. Mas é a que temos e é principalmente aqui que se jogam o essencial. Se quisermos pensar à escala ibérica, é com este espaço que podemos tentar reequilibrar o jogo de relações que Madrid polariza, procurando ter nesta margem da península o equivalente ao que o eixo Barcelona-Valência é na margem mediterrânica. E todos sabemos que é pelo plano ibérico que passa a afirmação de Portugal na Europa.

Neste contexto, é decisivo um meio de transporte que funcione no quadro de intensas economias de aglomeração e de conectividade (o TGV ou qualquer outra tecnologia equivalente). Para isso, a relevância de Lisboa, a aglomeração urbana polinucleada do litoral e a relação ibérica com Madrid devem ser chamadas à conversa.

O que importa é que se dotem os grandes espaços urbanos do litoral de contiguidades reforçadas e se aumente a "massa" que eles representam nos jogos de força ibéricos. Trata-se, afinal, de reforçar a aglomeração através da conectividade. E trata-se de usar o importante activo que Lisboa é no país para robustecer todo o litoral no seu conjunto (o que só pode acontecer através de uma lógica polinucleada dinâmica). Trata-se, finalmente, de dar valia ibérica à nossa urbanidade.

Com as discussões sobre o TGV tão polarizadas, ainda há espaço para o pensarmos em relação com o país que temos e com os desafios que aí estão?


 
 
pessoas
José Reis