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03-01-2007        Diário Económico
As universidades vivem uma crise institucional fortíssima e a relação dos poderes autonómicos com o Estado é perversa.

O relatório da OCDE sobre o ensino superior trouxe uma novidade essencial: colocou na agenda política a ideia de que as instituições públicas devem sair do âmbito da administração directa do Estado e passar para a administração indirecta, sob a forma de fundações. E acrescentou-se que estas deveriam funcionar e ser encaradas como pertencendo principalmente ao sector privado. Uma mensagem política forte acompanhada de uma nova palavra de ordem "revolucionária": "o poder aos ‘stakeholders’!"

O debate sobre o relatório já tem caminho feito e conhece-se o trivial. É claro que as universidades vivem uma crise institucional fortíssima, que o seu modelo de governo está aprisionado por lógicas conservadoras, que as burocracias dirigentes não asseguram futuro, que a propensão para endossar responsabilidades em vez de as assumir é elevada, que a relação dos poderes autonómicos com o Estado é perversa. Também não é necessário repetir que o relatório tem qualidade e que trata de forma complexa um problema complexo, não sendo legítimo diminui-lo através da suspeição ou do anátema da parcialidade.

O argumento que aqui defendo é simples: não há nenhuma razão, não está provado por ciência certa, não está escrito na natureza nem na lei divina que a radical inovação institucional de que o governo das universidades necessita implique uma lógica privada e não possa ser alcançada, de forma excelente, dentro da esfera pública e da administração directa do Estado. Não há sábios nem tribunos que detenham o poder imanente de reduzir a agenda da decisão política, impondo caminhos de um só trilho. O que está em cima da mesa é uma decisão política de dupla face. Por um lado, trata-se de saber se há poder e capacidade para que o Estado e a sociedade comprometam a universidade com formas de governo abertas, contratualizadas, assentes em objectivos inovadores, retirando-a da condição de corporação sem grandeza em que se tornou. Por outro lado, está em causa saber se o Governo assume ou não que o Estado também é uma instituição geradora de excelência, de capacidade política para produzir culturas de inovação e progresso. Se assumir, então não é pela "exteriorização", empurrando-a para fora sob a forma de "fundação", que se trata a universidade. É demonstrando que a propalada capacidade de decisão governamental tem rumo.

Claro que o ar dos tempos é outro e tem o seu quê de estranho. São muitos os ideólogos e conselheiros do governo para quem o Estado é sobretudo uma entidade aprisionada pela "perversão" dos seus funcionários e agentes (apenas guiados por um auto-interesse egoísta e desmedido) ou pela ignomínia dos ciclos eleitorais: tudo isto numa tradução literal e requentada das velhas teorias liberais da "escolha pública". São, aliás, ideólogos que, de tanto desejarem inventar a sociedade e salvar o Estado, reduzindo-o, acabam por "descarnar" a sociedade e o Estado, produzindo vazios políticos e, sabe-se lá, societais.

O problema é sério porque o sinal político da demissão do Estado em matéria de educação produz, só por si, efeitos devastadores. Ora, não é possível, em Portugal, que o compromisso político do Governo com a universidade trilhe caminhos equívocos. E é isso que aconteceria se a "invenção" fundacional ganhasse caminho. Porque o ponto é este: não estamos num contexto em que tal solução apareça como instrumento de reforço de compromissos, aumento da exigência, proclamação de consensos ascendentes. Não, aparece como sinal de fuga, de saída pela porta do fundo, de "devolução" a uma sociedade civil pequenita e apressada.

É por esta razão que acredito no bom-senso de usar a determinação e a situação política favorável que hoje existe para reformar com convicção, sem a mais profunda das fraquezas: a de desistir sobranceiramente. Aliás, não há, nesta matéria, exemplos históricos úteis para o Portugal de hoje em que o Estado não tivesse estado, sem equívocos, no lugar que é seu.

À margem. Enforcar um homem, mesmo Saddam, é um acto cruel, frio, de uma brutalidade desumana. A forca coloca o criminoso e o verdugo no mesmo plano moral. Estamos em Janeiro de 2007.

 
 
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José Reis