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14-02-2007        Diário Económico
Será que uma forma de ver assente nas assimetrias, nas dicotomias e na contraposição litoral/interior continua a fazer sentido?

Entre os artigos que publiquei no DE ao longo de quase um ano, em pelo menos três argumentava a favor do reconhecimento da importância das cidades, dos sistemas urbanos e da urbanidade para um trajectória de qualificação e desenvolvimento da sociedade portuguesa. Tratava-se, afinal, de reflectir sobre economias de aglomeração e sobre os contextos em que as interacções entre pessoas, culturas e formas de conhecimento são mais densas e em que as práticas sociais possibilitam o surgimento plural de oportunidades cosmopolitas e inovadoras.

Isso levou a que alguns leitores me apontassem criticamente uma visão supostamente "urbanocêntrica" e comentassem a falta de atenção para com as periferias, a desertificação do interior, em suma, para com as assimetrias territoriais.

Não vem agora ao caso fazer prova da minha já antiga cumplicidade com as modalidades de desenvolvimento descentralizadas, as formas de desenvolvimento local, a difusão espacial dos recursos, o elogio ao que é endógeno e territorial. Não é isso que aqui interessa. Mas já vale a pena reflectir sobre as relações territoriais em Portugal, décadas volvidas sobre a aplicação de intensas políticas de natureza estrutural e sobre profundas mudanças da sociedade e da economia.

Será que uma forma de ver assente nas assimetrias, nas dicotomias e na contraposição litoral/interior continua a fazer sentido? É verdade que o país é mais dinâmico no litoral, onde proliferaram "más" formas de concentração. Vejam-se os imensos "mares" sem qualidade que são as periferias-dormitórios de Lisboa e que o IC 19 bem espelha. É verdade que as perdas de população no interior colocam problemas críticos ao equilíbrio do território e à coesão territorial. É verdade, ainda, que há flagrantes desigualdades resultantes do território onde se vive.

Quer isto dizer que devamos insistir na ideia de que há dois "portugais", riscos de fractura e que a solução tem de continuar a ser "assistencialista"? Claro que não. Basta percorrer o país e conhecer o território, basta "ir para fora cá dentro", para se ver sem dificuldade que ao longo de uma geração se estabeleceram fora do litoral e dos grandes centros formas de desenvolvimento em que o acesso às práticas de consumo, aos bens colectivos, ao bem-estar, ao emprego e à mobilidade cresceu acentuadamente e quebrou barreiras. Quer dizer, a nossa geografia já não é apenas uma geografia de dualismos.

O que é que está para além do que impressivamente observamos? Acho que há dois processos principais. Um foi o do desenvolvimento das formas urbanas diversificadas no interior. Tratou-se de um processo muito intenso. São muitos os centros urbanos que se consolidaram, desenvolveram e onde se inovou socialmente, de Norte a Sul. São pequenos centros, é certo. Vários têm poucos milhares de habitantes; apenas alguns estão na casa das dezenas de milhar. Mas, à volta deles, uma boa parte da população regional partilha a economia de proximidade que eles polarizam. Isto quer dizer que não faz nenhum sentido achar que as cidades são a forma de desenvolvimento exclusiva do litoral – claro que não, são igualmente o elemento principal de desenvolvimento do interior.

O segundo processo relevante do que se passou no interior foi a consolidação de exemplos de excelência em meio rural (um rural muitas vezes sem agricultura) através de novas actividades, novos residentes e novas – e muito mais intensas – formas de articulação com o espaço regional de que fazem parte. Os mercados de trabalho alteraram-se a favor das profissões urbanas, há exemplos de tele-trabalho muito interessantes, o turismo e os serviços diversificaram actividades, acolheram-se imigrantes.

O país tornou-se, então, homogéneo e igualitário? Claro que não. Alguns dos resultados estão longe de se consolidarem. As oportunidades são mais estreitas e mais escorregadias. A atenção ao território continua, pois, a ser essencial. Mas é de políticas inovadoras que se necessita. Políticas atentas à qualidade (não à quantidade), ao aprofundamento de casos excelentes (não à repetição pela imitação), ao desenvolvimento da cidadania (não às obras de vaidade).

 
 
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José Reis