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10-12-2007        Jornal de Negócios
Como se sabe, a decisão sobre a localização do novo aeroporto internacional estava tomada desde 1999. Contudo, um poderoso movimento de influências teve o êxito necessário para reabrir o processo. Foi há pouco mais de seis meses que o "pico" das movimentações se atingiu.

Na altura, a alternativa era Rio Frio ou Poceirão e o caldo de argumentos incluía a própria suposição (ilustrada por sondagens esmagadoras, reveladoras de uma profunda sensibilidade do cidadão médio para a questão da navegação aérea) de que Portugal não precisava nada de um novo aeroporto.
Meio ano passado, esta questão saiu subitamente da agenda e alguns dos que proclamavam a não necessidade têm agora como argumento preferido as imensas possibilidades de Alcochete.
Alcochete asfixiou o debate e, por isso, importa regressar a uma agenda não-redutora, isto é, a uma agenda que tome em conta que um aeroporto é uma infra-estrutura destinada a produzir serviço: serviço às pessoas, às actividades, à vida colectiva, à conectividade do país em termos internacionais.
Este argumento, decisivo para quem dê prioridade a uma perspectiva de planeamento e ordenamento do país, tem tradução fácil numa pergunta igualmente fácil. Onde estão as pessoas que mais usam o transporte aéreo? A resposta só pode ser uma, estão nos meios urbanos, com Lisboa à cabeça, e esses meios estão na margem Norte do Tejo, desenvolvendo-se no litoral até Coimbra, onde também estão "embutidas" as redes mais densas e acessíveis de mobilidade (auto-estradas, estradas e vias férreas). Acresce a isto que a transposição do Tejo para Sul se faz por acessos todos eles concessionados a uma entidade privada, com portagem paga. Os custos para os utentes não são difíceis de calcular.
Há alguma boa razão para que este argumento elementar tenha sido obscurecido? Não sei. Parece, no entanto, claro que a noção de que um aeroporto deve ser sobretudo avaliado como obra de engenharia conseguiu ganhar dianteira. Quer dizer, se parece assumido que uma localização não é uma decisão de engenharia civil, já não parece tão claro que os cidadãos e as outras disciplinas que contribuem para a fundamentação técnica tenham um direito de cidadania idêntico à da engenharia. Ora, acontece que os números iluminados que ilustram as convicções de alguns engenheiros (a engenharia tornou-se numa alquimia de números?) têm de ser sujeitos ao escrutínio público. Os custos directos, desde logo. E, sobre estes, é preciso afirmar que o que tem vindo a ser dito sobre Alcochete não pode tranquilizar os cidadãos e muito menos o poder político. Sabe-se a que cota teriam de ser construídas as pistas em Alcochete, num sítio em que o nível freático está tão perto do solo? Não. Sabe-se que trabalhos de deslocação de terra e de compactação têm de ser feitos? Não. Sabe-se quanto custa a descontaminação de uma zona de uso militar para poder ter uso civil? Não. Os custos directos estão, pois, longe de serem conhecidos.

E os custos indirectos? Já se sabe o que resultaria dessa coisa impensável de um comboio de alta velocidade se fazer em função de um aeroporto, desviando-o do seu serviço principal que é unir rapidamente as duas metrópoles do país e a mancha urbana do litoral. E conhecem-se os custos indirectos de "recentrar" o país, afastando o aeroporto de quem o usa e dos meios que o complementam? Seguramente que não.
É isto que nos faz regressar ao essencial. E o essencial é, aqui, que a decisão de localização continua a ser, felizmente, um assunto de Estado: um assunto de estratégia pública e de estratégia de longo prazo. Mal fora, que não fosse. Mal fora que tivéssemos que nos sujeitar à tradicional miopia privada, onde o curo prazo e o lucro próprio (ou mesmo o sobre-lucro!) prevalecem.

É o serviço que presta e a forma como se entrelaça com as infra-estrutura de acesso já existentes num país concreto que diferencia um aeroporto de um porta-aviões. Se assim não fosse podíamos continuar a jogar à batalha naval...

 
 
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José Reis