Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
23-09-2001        Público

O século XX terminou com a queda do Muro de Berlim. O século XXI começa com o atentado terrorista a Washington e Nova Iorque. Mas o que este século virá a ser depende em larga medida do que for a reacção aos trágicos acontecimentos de 11 de Setembro.

O que está em jogo são, pois, os cenários do nosso futuro planetário. Vale a pena reflectir – seguindo a leitura de Thimoty Garton Ash em artigo publicado na imprensa internacional do passado fim de semana - sobre três hipóteses mais plausíveis.

A primeira é a da vingança privada. A América para a qual o mundo se situa entre o Canadá e o México, a América que desdenha os apelos do mundo civilizado para pôr fim à pena de morte, a América que boicota financeiramente as Nações Unidas e apelida o Tribunal Penal Internacional de monstro, a América de Rambo ou de Chuck Norris, essa América exige dos seus líderes actuação pronta e arrasadora sobre quem quer que possa ser suspeito. Bin Laden, Saddam ou qualquer outro servem. Desde que sejam esmagados como os extra-terrestres foram em "Independence Day".

O segundo cenário é o do Ocidente contra o resto do mundo. A invocação do artigo 5 do Tratado do Atlântico – que consagra o princípio da legítima defesa colectiva dos países membros da OTAN – pressupõe a identificação precisa de um inimigo agressor. Os saudosistas da Guerra Fria, do tempo em que havia inimigos precisos e institucionalizados, reinventaram o mesmo espírito com outros rostos: onde antes havia o perigo vermelho há agora o perigo islâmico. A já manifestada disponibilidade da NATO para uma intervenção militar, reeditando seguramente a completa subalternização das Nações Unidas já registada na crise do Kosovo, faz crer que se quer agora dar expressão militar a esse horrendo disparate que é a percepção do mundo islâmico como um bloco inimigo.

Há nestes dois cenários uma falta de senso profunda. Uma falta de senso que a congressista democrata Barbara Lee, que votou sozinha contra a declaração de guerra aprovada pelas duas câmaras do Congresso dos Estados Unidos, elucidou de forma cristalina: "Este é um assunto muito complexo e a iniciativa militar é uma reacção unidimensional para um problema multidimensional". Pode-se bombardear o terrorismo internacional? Ou mais a sério: a resposta militar às teias fundas do terrorismo internacional contribui para a resolução ou para o agravamento do problema a prazo?

Arrasar o Casal Ventoso acaba com o hiper-mercado de droga em Lisboa? Claro que não. A não ser enquadrada num trabalho de mediação e de promoção pessoal e comunitária de curto, médio e longo prazos, a destruição do Casal Ventoso é tão só um mecanismo de eternização do problema: o que antes se vendia naquele bairro degradado passa a vender-se noutro qualquer bairro degradado. O tratamento militar do terrorismo internacional - deste terrorismo que arranca de um ódio ressentido e cego contra a política externa dos Estados Unidos, de um terrorismo que não tem pátria e que está largamente disseminado pelo planeta inteiro em redes globais desterritorializadas - arrisca-se a ser um erro do mesmo tipo. Ou pior. Porque, não só não tem qualquer hipótese de extirpar o problema já como, a prazo, conduzirá a novas ondas de ódio, mais cego e mais ressentido ainda.

É por isso que o terceiro cenário – a activação dos mecanismos de reacção multilateral do sistema das Nações Unidas - é crucial. Bush filho tem uma oportunidade única de retomar agora aquilo que Bush pai, nos ecos da crise do Kuwait em 1991, anunciou ao mundo e que, evidentemente, nunca cumpriu: uma nova era, em que a resposta à violência será a lei, em que a resposta à agressão unilateral será a concertação multilateral, em que a resposta às generalizações indiscriminadas será o julgamento dos responsáveis concretos. A ONU é o único forum mundial que pode propiciar um desenvolvimento continuado desta ordem e em que se podem lançar as bases de um trabalho multidimensional – isto é, político, económico, social, cultural e também policial - para atacar a sério o flagelo do terrorismo internacional.

Os líderes políticos e as sociedades civis do mundo inteiro estão postos à prova. Das escolhas que venham a fazer em relação a estes três cenários depende, em muito, o que vai ser o novo século. A cultura da paz ou a eternização do terrorismo – em que apostamos?


 
 
pessoas
José Manuel Pureza