Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
29-11-2002        Diário de Coimbra
1. Num curto lapso de tempo, o governo das duas instituições mais importantes da cidade – a Câmara Municipal e a Universidade (UC) – mudou de protagonista. Esse é, desejavelmente, apenas o sinal mais visível do fim de um ciclo na vida da cidade. Um ciclo depressivo, quer na óptica dos cidadãos e dos universitários de Coimbra, quer na óptica de quem observa de fora a trajectória descendente desta cidade. E também um ciclo de desencontro entre a universidade e a cidade, cada uma delas desconfiada da outra e coabitando em regime de rivalidade imatura.

O tempo que agora começa, com novas caras de um lado e do outro, é uma oportunidade inestimável para a criação de uma nova cultura de relacionamento entre as instituições académicas e o município se ambos estiverem dispostos a lutar por Coimbra com ambição, sem provincianismo, e com a sabedoria de romperem de facto com o passado próximo.


2. Ao novo ciclo da vida da cidade é indispensável que os protagonistas novos e velhos do seu governo, do Presidente da Câmara ao Reitor que aí vem, dos dirigentes estudantis aos dirigentes sindicais, do Presidente da Capital da Cultura aos representantes dos empresários, mostrem claramente o que querem que Coimbra seja no futuro e como querem que esse futuro seja construido. Tal não se consegue com a defesa exclusiva dos interesses de cada sector ou com a continuação da prática das iniciativas desgarradas que a cidade identificou – justamente – com a anterior gestão camarária.


3. Coimbra é uma cidade universitária. Foi-o no passado, seguindo um figurino vaidoso de monopólio nacional do saber superior. Essa herança elitista e conservadora tem hoje dois rostos cruéis: de um lado, a cultura de ressentimento dos não-universitários, para quem a UC é a origem de todos os males desta cidade; do outro, a cultura saudosista da UC, tentativa de compensar a falta de uma visão estratégica de futuro com a mumificação (e até a "pimbalização") de memórias e rituais.

É contra esta cultura que a cidade e a universidade têm hoje que se mobilizar. A partir de um pressuposto claro: ser cidade universitária é o maior recurso estratégico de Coimbra. Não vale a pena inventar outros. Este chega e sobra, se devidamente trabalhado e assumido.


4. A UC é o instrumento mais rico de que Coimbra dispõe para se afirmar como cidade europeia de primeira linha. Esse é, aliás, o grande desafio para ambas: entrelaçarem-se na afirmação de um pólo cosmopolita de saber, de tecnologia e de cultura que arraste consigo mais urbanidade, mais cidade e menos provincianismo. Coimbra pode e deve afirmar-se no terreno das cidades europeias de média dimensão apostando no seu melhor: ser uma cidade de conhecimento. A UC pode e deve afirmar-se como uma universidade de referência no terreno científico europeu não com base na folclorização da sua memória para consumo regional, mas aceitando o desafio de ombrear com as melhores do mundo em todos os domínios: da investigação ao ensino, da gestão à internacionalização. Na cidade como na universidade, o continuismo, os seus rostos e os seus tiques políticos fazem parte do problema, não da sua solução.


5. A relação entre a cidade e a universidade é certamente plural. Mas não deixa de ser trágico que o aluguer de quartos a estudantes e o afluxo turístico momentâneo por ocasião da Queima das Fitas sejam os dois elos económicos mais fortes entre elas. Isso é revelador de uma universidade que não tem sabido suscitar a criação de formas de economia cultural de elevada qualidade (significativamente, não há sequer uma FNAC em Coimbra...), nem tem conseguido que a sua inserção em redes internacionais estimule a atracção de novos públicos às suas iniciativas. Isso é igualmente revelador de uma cidade que não investe em oferta cultural fidelizadora de sectores de vanguarda (veja-se a resignação com que Coimbra aceitou a sua substituição pela Figueira da Foz na programação de jazz) e que se vira de costas para a UC quando se impõe a disponibilização de equipamentos públicos de excelência (os motivos alegados para a preferência camarária pela construção de um estádio novo em Taveiro em detrimento da requalificação do Estádio Universitário são, a esse respeito, exemplares).

A alternativa entre cidade universitária e cidade industrial é falsa. A UC tem de ser asumida como o pólo catalizador da renovação económica. É positivamente extraordinário que isto não seja ainda uma evidência para todas as "forças vivas" de Coimbra que, nessa cegueira, se condenam a si próprias e à cidade à morte lenta da decadência.

 
 
pessoas
José Manuel Pureza