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24-11-2017        Público

Além da “Revolução Russa” ou das “Aparições de Fátima”, em 2017 assinala-se também o centenário da morte do sociólogo francês Émile Durkheim (15 de abril de 1858-15 de novembro de 1917).

O legado de Durkheim é de grande importância para o pensamento social e político. A Divisão do Trabalho Social (1893), As Regras do Método Sociológico (1895), O Suicídio (1897), As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912), Lições de Sociologia – a moral, o direito e o Estado (1912) são as suas obras principais. A explicação do social pelo social, os factos sociais como coisas, a consciência coletiva, a divisão do trabalho, o suicídio, a anomia, a religião, o papel do Estado e do direito ou a solidariedade são apenas alguns temas-conceitos que convidam a revisitar Durkheim.

A solidariedade é um desses temas que continuamente nos interpela. Ser solidário é promover encontros entre interesses e culturas muitas vezes distintas (ricos/pobres, empregadores/trabalhadores, brancos/negros, novos/velhos, cidadãos nacionais/refugiados, médicos/doentes, etc.) ou simplesmente auxiliar populações vulneráveis. Por exemplo, a solidariedade “mecânica” (assente na partilha e na semelhança) de que falava Durkheim observa-se na recolha de fundos e campanhas várias que mobilizaram a sociedade portuguesa no apoio às vítimas dos incêndios. Ao invés, a faceta “orgânica” da solidariedade (autocentrada, individualista e indiferente aos outros) concretiza-se na decisão de Donald Trump em fazer sair os EUA do acordo de Paris (sobre a proteção do clima).

A noção de solidariedade presta-se, pois, a vários significados, como resumiu o filósofo Hank Vos: identidade (interesses comuns); substituição (agir no lugar dos que não podem fazê-lo); complementaridade (troca de qualidades distintamente desejadas); reciprocidade (troca de bens ou qualidades idênticos); afinidade (partilha de sentimentos, valores, ideias) e restituição (reconhecimento de responsabilidades pelos erros do passado).

Aqui entronca também o “Pilar Europeu dos Direitos Sociais”, há meses debatido e caucionado por acordo entre Comissão Europeia, Parlamento e Conselho e proclamado na cimeira de Gotemburgo (17/11/2017). O tema não é novo, tanto mais que nos domínios da saúde e segurança, informação e consulta de trabalhadores e condições de trabalho o modelo social europeu associou prosperidade económica e justiça social ao longo da segunda metade do século XX. Porém, a crise da zona euro trouxe: mais desemprego, pobreza, desigualdades e trabalho precário; privatizações de empresas e serviços públicos; mais impostos indiretos; aumento dos horários de trabalho e da idade da reforma; flexibilidade da legislação que protege o emprego; redução dos apoios diretos ao desemprego, etc.

Inclusive num dos domínios de maior avanço legislativo – informação e consulta dos trabalhadores nas empresas de dimensão comunitária (Diretivas 94/45/CE e 2009/38/CE) –, está ainda muito por fazer quantitativa e qualitativamente.

Por isso, quase 30 anos após a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, o Pilar Europeu dos Direitos Sociais visa uma política social europeia renovada, assente em 3 capítulos – I) igualdade de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho; II) condições de trabalho justas; III) proteção social e inclusão social – repartidos por 20 princípios.

De entre estes (mesmo que a maioria não constitua novidade) destaco: o apoio ativo ao emprego (independentemente do estatuto laboral dos seus candidatos) e a transferência de direitos de formação e proteção social em caso de mudança de condição laboral ou de empregador; o assegurar de um salário mínimo adequado às condições económicas e sociais nacionais (por sinal uma questão premente em Portugal); o investimento nas crianças, garantido acesso a recursos adequados que combinem prestações pecuniárias e prestações em espécie; a concessão de proteção social adequada tanto a trabalhadores por conta de outrem como por conta própria; o acesso a prestações de rendimento mínimo para quem não disponha de recursos suficientes ou destinadas à (re)integração no mercado de trabalho.

Como o presidente da Comissão Europeia e o Primeiro-Ministro Sueco assinalaram (Público, 16/11/2017), o crescimento médio da UE acima de 2%, a criação de 8 milhões de empregos nos últimos 3 anos e os mais baixos níveis de desemprego dos últimos 9 anos criam condições de reforço da dimensão social da UE. Ainda assim, como alertava na Cimeira de Gotemburgo o secretário-geral da Confederação Europeia de Sindicatos, Luca Visentini, tal só é possível adotando um plano de ação apoiado em medidas concretas e num orçamento da UE reforçado.

Já em A divisão do trabalho social Durkheim defendera que a principal tarefa das sociedades industriais avançadas consistia num “trabalho de justiça” fundado em relações sociais crescentemente igualitárias. Espera-se, assim, que o Pilar Europeu dos Direitos Sociais não constitua mais uma mão cheia nada e dê lugar a realizações concretas, demonstrativas de compromisso firme com uma dimensão social transnacional e com uma efetiva implementação da legislação já existente. Para tal (dizia Durkheim em Lições de Sociologia), a dimensão jurídica e moral associadas ao Estado são cruciais para fazer vingar a justiça e a solidariedade na sociedade.

A melhor forma de celebrar a solidariedade é praticá-la. É de pragmatismo social que a Europa precisa. Mais do que uma prioridade política para a UE – que sem dúvida o é –, o Pilar Europeu dos Direitos Sociais deve ser um móbil de solidariedade mecânica, para que a dimensão social não continue a apanhar as migalhas da integração económica.


 
 
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Hermes Augusto Costa



 
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