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09-09-2004        Diário de Coimbra
Três anos volvidos sobre os ataques terroristas a Washington e Nova Iorque, o mundo voltou a ver de frente o rosto da bestialidade, com o sequestro cobarde de centenas de crianças numa escola na região da Ossétia do Norte. O desfecho, cuja dimensão real a liderança de Putin persiste em disfarçar, cifrou-se numa violência inaudita que vitimou largas centenas de inocentes e em imagens inesquecíveis de dor e de horror.
Corria ainda o sangue e a vergonha na escola e já os media internacionais se faziam eco da informação de que haveria pelo menos 10 terroristas árabes entre os sequestradores. Pode ser. Mas não pode deixar de se encarar com reserva esta pressa em afirmar com rigor a presença da pista árabe, vinda precisamente de quem, revelando uma inabilidade confrangedora, não soube identificar dezenas de sequestradores e lhes permitiu a fuga no meio dos pais e dos funcionários da escola.
O pormenor, apesar de significativo de como se constrói uma verdade à medida do cliente, não é mais do que isso: um pormenor. Porque o essencial é a persistência e a intensificação dos ataques terroristas, por toda a parte, negando à evidência a demagogia dos que garantem que a guerra total contra o terrorismo trazia a paz prometida no seu bojo. Três anos depois do 11 de Setembro, o mundo está mais inseguro. E sem inversão vislumbrável a prazo.
A clarividência da resposta ao desafio terrorista é, porventura, a questão maior do nosso tempo. E são, a este respeito, muito significativos, dois factos que se seguiram imediatamente à tragédia da Ossétia. O primeiro foi a expressão quantitativa e politicamente muito relevante, de opiniões favoráveis à inevitabilidade da solução política – isto é, negociada – como única saída para o problema tchecheno, um dos focos principais do terrorismo internacional contemporâneo. Que o próprio governo holandês, que ocupa de momento a presidência intergovernamental da União Europeia, tenha exprimido reservas à actuação russa nesse caso e que o Ministro dos Negócios Estrangeiros Espanhol aconselhe uma política europeia de combate ao terrorismo que vá muito além das dimensões militar e policial é importante como quadro de referência. É legítimo, e exigível, que os mesmos estadistas e comentadores assumam posição idêntica em todas as situações em que o terrorismo é a resposta usada para fazer face ao fechamento total de horizontes de negociação, como na Palestina. Ou era algo só para valer para a Rússia e não para Israel, Estados Unidos ou outros? A ser sincera e de aplicação geral, essa posição dá uma força adicional ao princípio da superioridade da solução política sobre a solução militar, com o valor simbólico acrescido de muitos dos que agora exprimiram essa posição serem gente insuspeita de anti-americanismo. Diante deste morticínio, aguardam-se com muita curiosidade as reacções dos peões políticos e jornalísticos que berram, há três anos, em bicos de pés, pelo extermínio como "the only way".
O segundo facto de relevo foi a promessa do Presidente russo de uma guerra sem quartel contra o terrorismo. Que se saiba, essa guerra sem quartel tem-na Putin encabeçado, há já anos, e tem-se traduzido em pouco mais do que no sistemático bombardeamento da Tchechénia, com os resultados que estão à vista. Quer dizer, assim como Bush enveredou por reduzir a complexidade de um efectivo combate ao fenómeno terrorista, desviando recursos e meios para uma guerra clássica, ilegal e preparada com uma incompetência desgraçada contra o Iraque, assim também Putin se prepara para intensificar uma guerra de tipo tradicional para fazer face a um desafio que requereria muito mais agilidade e discernimento político. Sinal dos tempos: a herança da Guerra Fria irmana os seus legatários dos dois lados…
Tanto a Tchechénia como o Iraque são testemunhos claros de que transformar o que não devia ser mais do que uma metáfora estimulante da radicalidade e da firmeza inteligentes (a "guerra contra o terrorismo") num acto concreto e de vistas curtas é uma tragédia maior do nosso tempo. Com a agravante de os "four more years" que se pediram na recente Convenção Republicana soarem a suite de balalaika para o senhor do Kremlin e a eternização da guerra para todos os que dela somos vítimas. Porque o somos – directa ou indirectamente – à escala global.

 
 
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José Manuel Pureza