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11-11-2006        Público
O movimento operário mundial tem na sua génese três grandes objectivos fundadores: o objectivo de emancipação, que consistiu em confiar ao proletariado a libertação da classe operária da perda de humanidade a que fora votado no contexto da sociedade burguesa; o objectivo de homogeneização, ditado pela crença de que o avanço do capitalismo seria sinónimo de coesão operária; e o objectivo de internacionalização (que viria a ser celebrizado por Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, 1848, e reforçado nos estatutos da I Internacional, 1864), que apelava à unidade transnacional entre trabalhadores de modo a superar todo o tipo de nacionalismos e rivalidades entre Estados-nação.
No momento (1 a 3.11.2006) da constituição da Confederação Sindical Internacional (CSI) (que representa 166 milhões de trabalhadores de 156 países) aqueles três objectivos continuam a ser perseguidos. São hoje os próprios sindicatos que continuam a queixar-se da opressão capitalista, da fraca homogeneização das suas acções e sobretudo dos acentuados défices de internacionalização. Por esse facto, e ante o clima adverso de deslocalizações, fusões e reestruturações empresarias que, à escala mundial, enfraquece a capacidade de mobilização sindical, o surgimento da CSI só pode ser saudado.
No entanto, a CSI será tanto mais bem sucedida quanto for capaz de contrariar os obstáculos que, neste início de século XXI, se colocam à transnacionalização do sindicalismo, tais como: a excessiva ênfase colocada numa "agenda nacional", considerada prioritária na determinação de salários, regimes jurídicos ou condições de trabalho; a baixa percentagem (em torno dos 15%) da força de trabalho mundial com ligações directas a uma economia política global; a escassez de recursos financeiros de suporte às acções internacionais; a competição entre organizações sindicais do Norte e do Sul; as múltiplas formas de opressão patronal praticadas nas multinacionais; o défice de instituições de regulação política global que, como a OIT, salvaguardem os interesses laborais, etc.
Para se afirmar como contra-poder laboral global e garantir uma unidade transnacional entre trabalhadores, a CSI não deve descurar ainda os seguintes desafios.
O desafio da organização implica: a) reforçar as campanhas de sindicalização; b) promover uma articulação entre escalas de luta em que ocorrem as lutas de resistência sindical, de modo a que não só se divulguem local e nacionalmente as lutas sindicais transnacionais, como também se divulguem transnacionalmente as lutas sindicais nacionais e locais; c) pressionar as multinacionais, no "reino" destas, a celebrarem acordos-quadro globais com a Federações Sindicais Globais, destinados à aplicação de padrões de trabalho aceitáveis e à assunção de formas de responsabilidade social genuína; d) dar atenção redobrada à massa mundial de "desorganizados" que preenchem as modalidades mais dispersas do sector informal.
O desafio da democratização produz implicações sobre a hierarquia e sobre a ideologia sindicais. Por um lado, compromete cada organização nacional filiada na CSI a fazer o seu próprio "trabalho de casa", i.e., a descentralizar a discussão dos temas internacionais pela hierarquia organizacional, junto das bases, dos activistas, dos delegados nas empresas e não apenas em diplomacias de gabinete. Por outro lado, se a CSI veio para unir e não para dividir, é imperativo alargar o seu espectro ideológico e não perpetuar o clima de unipolaridade ideológica que, após a queda do Bloco de Leste, se acentuou no seio da principal fundadora da CSI, a Confederação Internacional dos Sindicatos Livres. Dar sinais claros de abertura ideológica é um meio de captar mais actores nacionais de referência para a CSI, tais como por exemplo a CGTP, assim as cúpulas desta se predisponham a fazê-lo também.
O desafio da re-politização, por fim, faz supor uma abertura dinâmica do sindicalismo a temas e estratégias de luta transnacional partilhados também por outras organizações da sociedade civil. Na linha do Fórum Social Mundial, se os interesses do sindicalismo não são separados dos da sociedade civil, então devem estimular-se formas de articulação com outros "globalismos" (mulheres, direitos humanos, grupos ecológicos, consumidores, pacifistas, etc.). A centralidade que o sindicalismo ainda hoje detém nas nossas sociedades, deve, por isso, ser uma centralidade partilhada.
Se encarar estes desafios de forma displicente, a CSI continuará, como as suas antecessoras, a adiar o seu passado e dificilmente poderá celebrar o seu futuro.

 
 
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Hermes Augusto Costa