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22-10-2017        Jornal de Notícias

Uma vaga de incêndios em circunstâncias semelhantes em Portugal e Espanha (Galiza) desencadeou diferentes reações no espaço público. Em Espanha, as autoridades autonómicas e estaduais evocaram como causa principal um “terrorismo incendiário”, não especificado. Em Portugal, a opinião instalada nos grandes meios da comunicação social e os partidos de oposição apontaram o dedo aos decisores políticos e operacionais agora em funções, ou seja, a pessoas concretas, mas só àquelas que não podem fugir da responsabilidade. São automaticamente ilibados todos os que ao longo de décadas geraram os obstáculos que alimentaram a tragédia. Quer em Espanha, quer em Portugal, estes mecanismos acusatórios fazem lembrar a criança que culpa a parede, em que acabou de colidir, pela dor provocada pelo choque. São sintomas de uma insanidade coletiva, que busca a todo o custo imediatos culpados, quantas vezes transformada em processos de caça às bruxas.

Existem incendiários? Existem pessoas incompetentes em cargos de responsabilidade? Em Portugal, o Governo empurrou problemas com a barriga e não teve atempada consciência da tragédia? Certamente que sim e a cada um devem ser atribuídas a responsabilização e a penalização adequadas, no seu devido tempo. O Governo pagará a fatura dos seus erros e terá de ser muito mais responsável e eficaz pois o tempo não apaga tudo. Entretanto, não se pode instrumentalizar o drama das pessoas para uma oportunista tentativa de recuperação da Direita. É legítimo que a Direita queira recuperar. Esse é, até, um desiderato já antes afirmado pelo Presidente da República. Mas façam-no com dignidade.

O enfoque na atribuição de responsabilidade política “criminosa” aos decisores da atual circunstância, tem como consequência a degradação das condições para o debate e, sobretudo, para a ação que urge.
Julgadores, sejam eles jornalistas ou atores políticos, como os que nos últimos dias não se eximiram de produzir títulos como “Cem mortos depois, ministra demite-se”, ou formular sentenças como “erros de Costa custam vidas”, pensam estar a coberto do julgamento por nunca terem feito nada para provocar ou apagar incêndios. Enganam-se. Todos partilhamos algo da culpa, e aqueles julgadores devem ser julgados pelo ruido insuportável com que estão a prejudicar o debate, a tornar mais improvável que a ocasião da catástrofe possa servir para, pelo menos, começar a resolver algumas das causas que estão na sua origem.

É tempo de acção imediata. O território a norte do rio Tejo, com as suas florestas, paisagens, campos e estruturas agrícolas, habitações, empresas e serviços públicos, sofreu impactos semelhantes aos que resultam de uma guerra. Toda a organização da vida das pessoas e das estruturas naquele território foi abalada. A intervenção pública – do Estado – corre contra o tempo. É premente indemnizar justa e solidariamente as famílias dos mortos e feridos e apoiar as pessoas nas diversas reconstruções. Tem de haver um plano de investimento que motive as pessoas a não abandonarem aquelas sub-regiões. Se a necessária reconstrução não for agilizada e urgente, arriscamo-nos a que estes incêndios se transformem num novo contributo à desertificação de vastas áreas do território nacional, arrastando consigo outras desertificações e um atrofiamento ao desenvolvimento harmonizado do país.

Os tempos de discussão do Orçamento do Estado são uma oportunidade para assegurar os recursos necessários à intervenção do Estado, que não se pode limitar ao ordenamento do território e à protecção civil. Os portugueses e as suas forças políticas e sociais têm também o direito e o dever de reclamar apoios da União Europeia. Nós cometemos os nossos próprios erros, mas há políticas europeias, como a política agrícola e mais recentemente a austeridade imposta, que contribuíram para a acumulação de causas desta catástrofe. O investimento na reconstrução é bem mais prioritário que o serviço da dívida.

Só com um novo impulso de investimento público, que rapidamente recupere os postos de trabalho perdidos e crie novos em setores estratégicos, podemos ter um território ocupado e capaz de prevenir futuras catástrofes. Corremos contra o relógio.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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