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15-05-2005        Diário As Beiras
As tradicionais Repúblicas de Coimbra e o lugar de referência que alcançaram podem estar em risco perante a crescente massificação e mercantilização do ensino universitário se os organismos responsáveis e a própria Universidade não tomarem consciência da sua importância histórica.

Desde o século XIII que, com a emergência das mais antigas universidades europeias, surgiram as primeiras casas comunitárias de estudantes, algumas delas baptizadas de "Nações", onde viviam conjuntamente estudantes e "mestres" oriundos de uma mesma região, nacionalidade ou até diocese. As Repúblicas de Coimbra surgem já no século XIX, sem dúvida associadas aos movimentos político-ideológicos de matriz republicana. Animadas pelo espírito de fraternidade, protecção mútua, convívio e boémia, as Repúblicas tiveram um papel decisivo na modelação da cultura universitária e na própria gestão da Universidade. Muitas gerações da elite intelectual portuguesa foram, directa ou indirectamente, tocadas pelo seu modo de vida.

Houve, ao longo dos tempos, Repúblicas de todas as cores políticas, expressão do seu enorme dinamismo e autonomia. Com protagonismos variados em épocas distintas, as Repúblicas participaram activamente na construção social da Universidade, fomentando o ambiente de irreverência cultural e cívica próprio da vida estudantil. É conhecido o papel decisivo das Repúblicas (e do seu órgão coordenador, o Conselho de Repúblicas) nos anos 60, na organização da resistência estudantil face à repressão que nessa altura se abateu sobre a Universidade. É inquestionável a importância das Repúblicas, em particular as experiências dos anos 60, tanto na actividade associativa e na luta pela democracia na Universidade, como na produção de uma cultura cívica e de activismo político, cujas repercussões no conjunto da sociedade portuguesa estão ainda por estudar, mas serão sem dúvida muito significativas em diferentes domínios.

O ano de 1969 terá marcado uma viragem decisiva no papel das Repúblicas de Coimbra. Enquanto até então elas se assumiram como o núcleo central dos movimentos estudantis e participavam activamente nos rituais festivos e praxistas da vida académica, desde essa altura o seu papel tornou-se mais secundário. As festas estudantis, interrompidas naquele ano – na sequência do "luto académico" decretado pela AAC como forma de protesto contra a repressão exercida pelo regime salazarista – só foram retomadas no início dos anos 80, aliás, num contexto de enorme polémica e intensas clivagens políticas. Mas, enquanto a grande massa estudantil começava a aderir crescentemente às praxes e à participação nos rituais académicos, os repúblicos continuaram, na sua esmagadora maioria, a afirmar-se anti-praxistas e a assumir o seu próprio modus vivendi em clara demarcação perante os estilos de vida da grande maioria dos estudantes. Apesar de se notar hoje uma maior pluralidade de orientações a esse nível, o certo é que, desde então, as Repúblicas têm vindo a permanecer à margem dos acontecimentos académicos. E, por mais nobres que sejam as razões para tal – acreditamos que o são – elas precisam, como necessidade de revitalização, de alterar esta postura.

Há razões sociológicas para explicar este aparente divórcio entre as Repúblicas e a massa estudantil. Uma delas é a seguinte: as Repúblicas são, por definição, um microcosmos em que a gestão das responsabilidade partilhadas e o estímulo à iniciativa de cada um fazem delas importantes células de experiência política. Ou seja, tanto a partilha colectiva dos problemas quotidianos como o sentido de autonomia individual constituem importantes requisitos para a inserção numa República. Ora, tudo leva a crer que estes aspectos estão ambos a esbater-se drasticamente entre a actual geração de estudantes. Nos dias de hoje, a praxis política e a motivação para a intervenção associativa são, no mínimo, pouco aliciantes para a maioria dos jovens universitários, sendo patente o crescente desinteresse pelo debate público e pela intervenção cultural e cívica. Apontarei outras razões em próximo artigo.

 
 
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Elísio Estanque