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20-05-2005        Diário As Beiras
Com o processo em curso de recomposição social da população estudantil, quer em termos das origens sociais e geográficas dos actuais estudantes, quer no que toca à crescente feminização da Universidade, as Repúblicas parecem estar a perder o seu tradicional protagonismo enquanto referente central da cultura estudantil.

Como é sabido, o grande aumento da oferta de cursos superiores nas últimas décadas tem conduzido, por um lado, a um recrutamento crescente de estudantes oriundos das classes trabalhadoras e, por outro, a uma regionalização das universidades. O grande número de estudantes da UC oriundos da Região Centro e o peso crescente de raparigas – cuja ligação umbilical à família de origem é geralmente mais intensa do que nos rapazes – são aspectos que, aliados à enorme facilidade de transportes, conduzem ao aumento dos fluxos de estudantes que saem de Coimbra nos fins-de-semana, de visita aos pais. Embora estes movimentos pendulares sejam quebrados em algumas ocasiões, como nas festas da Latada e da Queima das Fitas ou em alturas de exames, isto conduz a um maior desapego face às exigências de um estilo de vida baseado na partilha quotidiana do ambiente académico. Como corolário destas alterações, a preocupação dos estudantes com a obtenção da licenciatura, sobretudo dada a pressão familiar, assenta hoje muito mais numa lógica "instrumental", em que o interesse pela discussão e pelo conhecimento em si mesmo quase desapareceram.

Mesmo admitindo que o tradicional espírito de "tertúlia" se esteja a desvanecer, essa conotação persiste e é correntemente associada às Repúblicas, o que em parte as coloca na contra-corrente das actuais tendências. Efectivamente, no imaginário da massa estudantil actual, as Repúblicas surgem como um pequeno segmento de estudantes, que se resguarda no seu "gueto", que cultiva um certo estilo "vanguardista", que bebe muito álcool, que faz muitas festas e estuda pouco. Verdadeira ou falsa, esta imagem é indutora de um olhar desconfiado sobre as Repúblicas.

Entre outras coisas, isto reflecte-se no facto de algumas Repúblicas sentirem hoje maior dificuldade em assegurar o recrutamento de novos "caloiros" para o seu seio. Ora, numa universidade onde há tanta falta de residências para estudantes, isto é estranho e preocupante.

A prazo, a sobrevivência das Repúblicas pode estar em risco. Seria péssimo para a UC se viesse a perder este importante elemento do seu património histórico e cultural. Quando este Verão passei pela cidade universitária de Ouro Preto, no Brasil, pude constatar o importante papel que aí desempenham as cerca de 200 Repúblicas, que são hoje uma imagem de marca daquela Universidade, com um papel decisivo no trabalho de recuperação urbana das casas e da cidade – que é património mundial. Em Ouro Preto, como em muitas outras universidades e regiões do mundo, a Universidade de Coimbra é considerada uma referência e um modelo a seguir, o que se deve não só à imagem de prestígio que granjeou ao longo de 700 anos de existência, mas em especial às características únicas do seu ambiente académico, onde as Repúblicas ocupam um lugar de destaque. Isto deve ajudar-nos a reflectir sobre a realidade de Coimbra.

Será que o maior dinamismo das Repúblicas no passado se pode associar ao passado mais elitista da Universidade? Que relação se pode estabelecer entre esta situação e a crescente feminização da Universidade? Exige-se, pois, um debate aberto sobre o papel destas comunidades estudantis na vida da Universidade – no passado, no presente e no futuro –, em que participem todos os sectores académicos, bem como os movimentos cívicos e culturais da cidade. O futuro da UC terá de contar com a participação activa e democrática dos estudantes em toda a sua diversidade de expressões, e isso passa pela revitalização do papel das Repúblicas na vida da academia.

 
 
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Elísio Estanque