As lutas estudantis em Portugal foram particularmente relevantes nos anos 60, numa altura em que nas sociedades Ocidentais emergiam os novos movimentos sociais. Mas, o movimento estudantil português não é comparável ao do Maio 68 em França, já que o clima repressivo imposto pelo salazarismo colocava o nosso país numa posição singular no contexto europeu.
As intensas experiências vividas em 1974-75 constituem um período da nossa história recente a todos os títulos marcante. Elas reuniram todos os movimentos, dos "novos" aos "velhos" e, de certo modo, configuraram um período apoteótico de participação cívica e política. Porém, com a estabilização do regime democrático, quer o movimento estudantil quer o movimento associativo em geral entraram numa lógica de crescente institucionalização e a participação tende hoje a limitar-se aos actos eleitorais e aos períodos de "crise" mais ou menos pontuais. O problema é que os níveis de intervenção organizada e de participação são hoje particularmente baixos, o que pode pôr em risco a própria democracia representativa e, sem dúvida, a enfraquece. O estudo que está a concluir-se no CES sobre os estudantes da UC mostra bem essa realidade.
Nas últimas décadas, o sistema de ensino superior democratizou-se, permitindo a entrada de estudantes oriundos das classes trabalhadoras em proporções muito superiores. A par disto, também o espectro do desemprego e a precariedade de emprego dos recém-licenciados aumentaram, o que faz incidir sobre os estudantes (sobretudo os filhos da classe trabalhadora) uma enorme pressão para que concluam o curso em devido tempo. Em famílias sem qualquer relação com o saber académico e com baixo "capital cultural" e económico, compreende-se que a preocupação subjectiva se centre exclusivamente na obtenção de um emprego compatível e no respectivo título de "Dr." para os seus filhos. Ao procurarem não defraudar as expectativas da família, os estudantes são levados a uma atitude predominantemente "instrumental" perante a aprendizagem, ou seja, o que se quer é fazer a cadeira e o curso, e não tanto compreender e discutir os seus conteúdos. Isto funciona como um poderoso desincentivo à participação cívica, considerada uma actividade acessória e que pode perturbar os estudos.
Não sendo esta a única razão, é no entanto uma delas. Recorde-se que o mundo "globalizado", "informatizado" e "(tele)mediatizado" em que vivemos constrói ao nosso redor, e sem que nos dê-mos conta disso, todo um conjunto de artefactos, de imagens e símbolos que, no seu conjunto, produzem uma ideologia fundada na ideia fictícia de um "livre-arbítrio" de uma liberdade de escolhas individuais, isto é, existe hoje uma ideologia individualista e consumista – com especial sucesso junto dos jovens – que promove à exaustão a primazia dos interesses individuais com um efeito devastador sobre o sentido de partilha, a solidariedade e a participação.
No caso da UC, onde grande número de estudantes são oriundos da Região Centro e, dada a facilidade de transportes, tem-se assistido a um constante aumento dos fluxos de estudantes que saem de Coimbra nos fins-de-semana, de visita aos pais, o que atenua a dinamização de um estilo de vida baseado na partilha quotidiana do ambiente académico, mais consentâneo com a cultura colectivista e participativa. Se nos lembrarmos que, por razões socioculturais diversas, os rapazes tradicionalmente participam mais na vida pública enquanto as raparigas são em geral mais estreitamente vinculadas ao meio familiar, e se nos lembrarmos ainda que "elas" são mais planeadas e estudam mais, compreendemos melhor – atendendo a uma taxa de feminização já acima dos 60% – que os índices de participação associativa estejam a diminuir drasticamente entre os jovens do ensino superior.
Os défices de participação resultam de um jogo, de uma dialéctica para a qual concorrem de um lado as bases ou os cidadãos e de outro os dirigentes. Todos têm aí responsabilidades. Quem é mais activista, suscita invejas, quem participa mais é muitas vezes olhado como "oportunista" ou como alguém que só procura protagonismo. A indiferença é a resposta mais fácil perante dirigentes que – em todos os campos da actividade política e associativa – muitas vezes se desligam das bases logo que são eleitos.
Para inverter estas tendências na UC é fundamental prosseguir o processo de descentralização do associativismo estudantil, a sua dinamização nas faculdades, a promoção de mais actividades culturais, de mais debate e reflexão. É necessário promover actividades lúdicas que ao mesmo tempo sejam formativas e estimulem a participação. É fundamental o desenvolvimento pela Universidade de pedagogias mais participativas e de proximidade, mais capazes de responder às necessidades de uma população estudantil cada vez mais heterogénea. Precisamos de práticas pedagógicas que formem não apenas bons técnicos e bons profissionais (não é essa a única vocação da Universidade), mas que saibam mostrar que a compreensão do mundo prático só se consegue com a reflexão teórica sobre o mundo e a vida. A atitude "profissionalizante" tende a ver a "teoria" como meramente especulativa, e sem uma reflexão teórica dirigida para os impactos sociais do conhecimento não se promove a consciência crítica. Por isso, a ciência que se ensina na Universidade terá de ser cada vez mais uma ciência-cidadã, da qual a experiência interventiva e participativa é o contraponto.