Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
25-02-2003        A Cabra
Assistimos hoje a um conjunto de novas posturas, atitudes e orientações, entre a juventude universitária, as quais, afinal, não são senão o reflexo das tendências sociais mais gerais. Vejamos algumas dessas tendências no caso da Universidade de Coimbra, a partir dos dados de um estudo que estamos a ultimar no Centro de Estudos Sociais.
Os estudantes da UC são hoje maioritariamente recrutados na Região Centro (cerca de 60%). Porém, esta "regionalização" da universidade não pode ser unicamente atribuída a um défice de capacidade atractiva por parte da UC, já que, a proliferação de instituições deste nível de ensino (públicas e privadas) nas várias regiões do país tem necessariamente consequências a este nível. Ou seja, todas as universidades terão hoje uma incidência de públicos "regionais", mesmo aquelas que já possuíram um peso nacional (como Coimbra, Lisboa e Porto). Em todo o caso, sendo hoje muito maior a competitividade, a capacidade atractiva ou o esforço nesse sentido tem de passar por uma estratégia mais agressiva que não se compadece com uma atitude que se resguarde sobretudo à sombra da tradição.
Este reposicionamento no plano regional é acompanhado por outro tipo de mudanças, entre as quais destaco a recomposição de classe e sexual da população estudantil. Quanto à primeira, embora não exista uma correspondência entre a origem de classe dos estudantes e o peso relativo das diferentes classes sociais no país, é um facto que quando olhamos as origens de classe dos estudantes da UC já não encontramos a "pirâmide invertida" que existia há duas ou três décadas atrás. É verdade que categorias como os "empregadores " ou os "quadros técnicos e dirigentes" estão sobrerepresentadas na população estudantil, isto é, as percentagens relativas de estudantes cujos pais pertencem a esses estratos sociais é proporcionalmente maior do que o peso que os mesmos detêm no conjunto da estrutura social portuguesa. Mas, por outro lado, identificámos cerca de 30% de estudantes que são oriundos da classe "trabalhadora" (sendo esta definida como o conjunto dos assalariados que detêm baixos níveis educacionais, baixas qualificações e nenhuma autoridade no emprego). Significa, portanto, que há alguma democratização do acesso à Universidade. Esta abertura é mais notória em áreas como "artes e letras", "ciências naturais/ matemáticas" e "economia e gestão", enquanto nas áreas de "ciências médicas/ farmácia", "desporto" e "direito" há uma menor representatividade da classe trabalhadora. Já pelo critério dos níveis de instrução dos pais dos inquiridos, verifica-se que, de um lado, estão as áreas de letras, ciências sociais, ciências naturais/ matemática, cujos país têm maioritariamente baixos níveis de instrução; do outro lado, estão a medicina/ farmácia, desporto, e as engenharias, cujos pais possuem níveis mais elevados de escolaridade.
Quanto à recomposição sexual, como se sabe, as raparigas são hoje maioritárias na Universidade (com cerca de 60%) e isto verifica-se em quase todos os cursos da UC (são excepções as áreas de engenharia e de desporto). Curioso é verificar, ao relacionarmos as origens de classe com a condição sexual, que enquanto entre os descendentes de pais das classes média e alta existe uma maioria de rapazes, no caso dos filhos da classe trabalhadora, encontramos uma clara maioria feminina (34,5% contra 28,9%). Esta recomposição sexual reflecte-se, evidentemente, nas práticas e atitudes dos estudantes.
A preocupação com o acesso ao emprego que o curso pode permitir é, naturalmente, mais sentida entre os filhos de classe trabalhadora. E esta situação repercute-se nas atitudes perante o estudo e perante as actividades sociais em geral. As raparigas revelam maiores índices de leitura (extra-escolar), maior regularidade no estudo e na frequência das aulas, maiores expectativas quanto ao acesso a "uma profissão que permita realização pessoal", maior sensibilidade perante o "conhecimento académico como condição para intervir na sociedade", dão menor importância à "praxe" e revelam mais interesse, por exemplo, pelo "baile de gala" da queima das fitas. Os rapazes dão mais importância à ideia de obter "uma profissão de prestígio e bem remunerada", revelam maior presença nas salas de informática, dão mais importância à "praxe" e à participação na "garraiada". Também lêem menos e estudam menos, mas no entanto, esperam dar um maior "contributo ao desenvolvimento científico".
A relativa perda do velho estatuto "elitista" da Universidade, a crescente feminização da população estudantil numa instituição secular como a UC, repleta de rituais de raiz "masculino", associados às tendências gerais de individualismo e desinteresse pela discussão e participação associativa, são questões que merecem reflexão e debate. Reequilibrar noutros termos o binómimo tradição/ modernidade é um desafio urgente para a UC.

 
 
pessoas
Elísio Estanque