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15-10-2017        Jornal de Notícias

Um Orçamento do Estado é um importante instrumento de política económica e, por consequência, a sua discussão tem conexões profundas com a generalidade das políticas. Importa, assim, que a proposta de Orçamento (OE) para 2018 traga para o debate o contexto em que se formula, por forma a garantir respostas conjunturais justas e possíveis, mas também a definição de objetivos económicos, sociais e políticos de médio prazo.

O quadro económico interno e externo é, por agora, favorável. Há que o aproveitar para reparar injustiças, criar bases para uma melhor distribuição e redistribuição da riqueza, orientar políticas que ajudem à indispensável diversificação da economia e a que o país seja menos dependente. E precisamos muito de dar vitalidade ao Estado. Tenha-se presente que a despesa pública, quando orientada para uma boa qualidade na prestação de direitos fundamentais, pode significar para as pessoas um relevante acréscimo (indireto) de rendimentos.

Para um pronunciamento consistente sobre o OE exige-se uma análise atenta a todo o seu conteúdo e uma boa observação dos argumentos, muitos de sentidos opostos, que vão ser esgrimidos pelas forças políticas, económicas e sociais. Entretanto, pode dizer-se que algumas das medidas anunciadas têm um sentido reparador de danos causados pelo "ajustamento" da troika e do Governo PSD/CDS. Estão nesse caso a redistribuição do IRS a favor dos níveis mais baixos de rendimento, a desoneração fiscal do trabalho independente e certos aumentos de alguns impostos indiretos, algumas medidas de política social, nomeadamente pequenos aumentos das pensões e de prestações sociais, a restituição de valores do subsídio de desemprego, ou ainda, a reposição de carreiras e o pagamento de horas extra na Administração Pública (AP). Por muito que os pregadores mais empedernidos da Direita digam que tais opções são "em contraciclo" - para eles o ciclo é o das políticas neoliberais, antilaborais e antissociais de Trump, de Temer, de Theresa May ou de Macron -, o combate às desigualdades, à pobreza, à delapidação da AP é primordial para o desenvolvimento do país. Ainda não está escalpelizado o que o Governo propõe quanto a investimento público e a financiamento da saúde, da educação e de outros domínios de provisão pública. O silêncio sobre estas áreas na fase preparatória do Orçamento não é bom sinal. Esperemos que assim não seja, porquanto isso pode significar termos uma reparação de danos muito limitada. Utilizar o investimento em níveis mínimos pode resultar como variável orçamental de austeridade no curto prazo, mas uma persistência nessa estratégia terá grandes custos no futuro.

O atual Governo propôs-se conciliar o que à partida pareciam ser objetivos contraditórios: recuperação económica e respeito pelas metas orçamentais da União Europeia (UE). Fruto de uma combinação de pequenos passos na direção da reparação de danos - processo trilhado desde o início do mandato - e do aproveitamento de condições externas favoráveis, o Governo tem conseguido tal objetivo. A recuperação económica é um facto que facilita agora a ginástica orçamental, mas o OE continua sujeito a restrições que impedem a extensão da reparação de danos a domínios cruciais como o do investimento público em infraestruturas, em provisão de saúde, de educação de qualidade, ou de serviços de proteção civil.

Levar a reparação de danos para lá dos atuais limites é um imperativo que implica um duplo movimento. Em primeiro lugar, que os "constrangimentos" da UE deixem de ser tomados como ditames e obedecidos como ordens incontestadas. As restrições europeias têm de ser constantemente testadas, desde logo por uma posição negocial firme do Governo. Está provado que os "constrangimentos" se podem deslocar. O Programa de Estabilidade continua a prever metas orçamentais irrealizáveis e incompatíveis com uma recuperação económica sustentada. Em segundo lugar, que a reparação de danos seja trabalhada em áreas de política que não dependem diretamente do OE e que em grande parte não pesam nas contas públicas, nomeadamente no campo das políticas laborais.

A discussão em curso é momento oportuno para discutir o que está para além do Orçamento.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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