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15-06-2004        «Sabere Aude» - Jornal do Núcleo de Estudantes de Sociologia da FEUC
Democracia e política são noções que sempre caminharam juntas e por vezes até se confundem. Na verdade só em democracia a política pode verdadeiramente exprimir-se. Infelizmente hoje em dia a palavra «política» reveste-se de uma carga essencialmente negativa, levando muita gente a confundir «política» com «políticos» e estes com um sector da sociedade supostamente caracterizado por personificar interesses egoístas, demagogia barata ou puro oportunismo. Políticos são, para uma boa parte do cidadão comum, aqueles que andam à procura de «tacho» ou, por outras palavras, aqueles que não querem trabalhar. Estas ideias são particularmente perigosas porque corroem os pilares da democracia e, a pouco e pouco, vão pondo em causa os seus valores mais nobres. A conclusão lógica de um tal raciocínio é que, se a política é o que fazem os políticos, se os políticos apenas defendem os seus interesses pessoais, se se tornaram parasitas da sociedade, então, se assim é, será necessário controlá-los e, se possível, acabar com eles. Ora, isto não só constitui uma ideia exagerada (por isso falsa) como se torna extremamente nociva para a democracia, visto que serve de alimento ao populismo mais demagógico e anti-democrático.
Este tipo de argumentos é semelhante ao que foi usado em Portugal quando, nos finais dos anos 20 do século passado, Salazar, apoiado numa ideologia conservadora, integralista e de cariz fascista, abriu caminho ao regime do chamado «Estado Novo». Com o pretexto de pôr o país na ordem, criou-se a ideia de que a solução seria encontrada através de um auto-proclamado «salvador da pátria». Falando sempre em nome do Povo, da Nação, da Disciplina e dos bons costumes (da moral católica), Salazar, prometendo «acabar com a política» não fez senão a sua própria política totalitária, impondo um sistema fascista (de partido único), fortemente repressivo, que alimentou uma guerra colonial completamente obsoleta e desastrosa, perseguiu, torturou e matou milhares de resistentes, intelectuais, estudantes, sindicalistas, etc., e deixou o país com um enorme atraso perante os nossos actuais parceiros europeus, do qual ainda não recuperámos.
Porém, o maior motivo de preocupação é que hoje, tal como há setenta anos, começa a germinar o mesmo tipo de atitude, aumenta o desinteresse pela «questão Pública» – isto é, pela política no seu sentido mais nobre – e aos poucos o terreno vai ficando livre para os demagogos que, mais dia, menos dia, nos irão propôr novos pseudo-salvadores, os quais, de resto, começam já a surgir nas televisões com um tipo de discurso muito semelhante. Em suma, a política não pode confundir-se com os maus exemplos de alguns políticos no activo (no governo, no parlamento ou nas autarquias). Fazer política é, afinal, tão só, uma questão de intervenção cívica no sentido de questionar o poder instituído. É querermos saber o como e o porquê das decisões que os governantes e poderosos tomam em nosso nome, e que a todos dizem respeito. É estar atento e informado sobre os critérios e os modos como os recursos disponíveis são distribuídos em sociedade. É exigir respostas às injustiças que nos indignam enquanto cidadãos. Embora, em democracia, as opções políticas obedeçam sempre à «lei do mal menor», porque não existe perfeição – essa só os tais salvadores a prometem enquanto na prática edificam novas ditaduras – é fundamental participar, seja por que forma for, mesmo rejeitando os partidos, mesmo votando em branco. Por acção ou por omissão todos fazemos política, ou seja, como gritou a geração do Maio 68, «política é tudo!». A abstenção é, por isso, um gesto político, através do qual aqueles que pensam estar alheios à política delegam nos outros as decisões sobre o seu futuro. O voto não esgota a política. Mas, não votar é recusar o exercício mais elementar da democracia, é recusar assumir-se como cidadão.

 
 
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Elísio Estanque