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02-10-2005        Diário de Coimbra
No cenário eleitoral que hoje vivemos seria bom que, ao lado da usual retórica eleitoralista ficasse claro qual a concepção de cidade por parte dos candidatos a autarcas, no quadro dos novos desafios associados à crescente concentração e reestruturação do tecido urbano, sobretudo nas cidades de grande e média dimensão.
A cidade de Coimbra oferece-se como um caso que, pela peculiaridade da sua história, mereceria mais ousadia e capacidade inovadora quer quanto ao conceito de cidade quer quanto a projectos concretos veiculados pelas respectivas candidaturas. Não se antevê da parte dos protagonistas melhor posicionados para liderar a gestão da cidade a partir do próximo dia 9 de Outubro nenhum rasgo particular ou qualquer ideia aglutinadora capaz de levar Coimbra a recuperar o lugar proeminente que já ocupou e à altura das suas imensas potencialidades.
A chamada "Lusa Atenas" tem vindo nas últimas décadas a desbaratar grande parte do seu tradicional prestígio. A lendária e mítica Coimbra, berço de tantos talentos, génese de tantas correntes literárias, de tanta criatividade poética e de movimentos culturais e políticos que marcaram a história da Nação, tem vivido anos cinzentos e debate-se hoje com imensos problemas que atingem a sua própria identidade. A enorme visibilidade que a Universidade de Coimbra ocupa no mundo está longe de se traduzir, ou de ter uma correspondência condigna na sua actual imagem e, menos ainda, na qualidade de vida dos seus residentes. Aliás, o passado, e a aura de prestígio que com base nele se invoca para a Cidade dos Doutores, tem servido recorrentemente de pretexto para a sua elite dirigente perpetuar o status quo, preferindo o autismo e a auto-satisfação à falta de qualquer visão estratégica ou capacidade inovadora para enfrentar os actuais desafios.
Por outro lado, a Universidade e a população estudantil – que deveriam constituir os centros vitais de projecção da cidade para o exterior – não são suficientemente valorizados e incorporados nos projectos da cidade. E é fundamental que o sejam. Eles podem potenciar uma cultura de participação que envolva os diversos movimentos associativos do campo cultural, cívico ou académico. Exige-se da autoridade municipal uma melhor gestão, mais democrática e participativa por forma a alargar a Esfera Pública recriando o espaço comunitário, o espaço da controvérsia e da criatividade. Uma nova Polis democrática e participada para Coimbra é possível, e com ela é possível reanimar as elites locais, envolve-las e co-responsabilizá-las nas opções estratégicas do município, mas também a participação dos cidadãos em geral, nomeadamente os sectores mais desfavorecidos e excluídos da população. Os campos cultural e político são, pois, indissociáveis, e a cultura popular tem aqui também o seu espaço (sobretudo se deixar de ser confundida com "folclore").
Coimbra precisa, para fazer jus ao seu passado, potenciá-lo e projectar-se no futuro revertendo esse passado em mola impulsionadora de novos dinamismos: no campo cultural (usando o seu vasto património e riqueza arquitectónica como valências fundamentais para promover iniciativas culturais); no campo ambiental e da qualidade de vida (aproveitando os espaços existentes e reestruturando alguns deles e dando-lhes vida); no campo científico e académico (articulando Universidade e Autarquia em nome da projecção de Coimbra para a escala europeia e global); no campo económico e do desenvolvimento local e regional (multiplicando projectos em estreita cooperação entre conhecimento científico e associações empresariais e sindicais). Estas e outras acções estão ao nosso alcance desde que haja vontade política e que os interesses da cidade se sobreponham aos interesses particulares e aos jogos partidários.
A vida urbana de hoje estende-se muito para lá dos perímetros das cidades. Elas funcionam como pivots dos territórios e populações rurais que as envolvem. Mas era bom que, mais do que os acessos, os estacionamentos, as rotundas, os Shoppings megalómanos, os projectos urbanísticos, etc., se orientassem as políticas urbanas na base de um conceito ambicioso e arrojado de cidade assente na qualidade de vida e nas potencialidades patrimoniais, culturais e científicas da cidade. Essa qualidade de vida exige uma Coimbra moderna e virada para fora. Exige o envolvimento permanente dos cidadãos nas decisões fundamentais. A cidade faz-se com eles. É preciso uma Polis exigente e crítica que exerça uma vigilância activa sobre os órgãos executivos. Não basta a confiança cega depositada no acto eleitoral.

 
 
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Elísio Estanque