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18-05-2007        Diário de Coimbra
O chamado "nuclear", quer o da energia quer o do armamento, já foram temas quentes no passado. Na Europa e em Portugal os movimentos "anti-nuclear" tiveram a sua importância. Milhares de jovens chegaram a reunir-se em Ferrel (lá p’ra Peniche... como cantava o Fausto), contestanto a ideia de uma central de energia nuclear. E outras manifestações dos anos 80 lutaram pela paz e contra o armamento nuclear. Apesar de por detrás de algumas dessas acções em Lisboa se situar então, a Leste, um outro "núcleo duro" – um Estado que nada tinha de "nuclear" mas que era fortemente "pró-nuclear" –, o certo é que as funções do Estado, aqui no nosso cantinho luso, estavam então a expandir-se do núcleo para a periferia, e eram sobretudo sociais, não "nucleares"!
Sabemos bem como as palavras mudam de sentido e as expressões ganham rapidamente novas conotações e significados. No discurso público ou no seu uso comum a linguagem nunca é inocente. Fosse nos velhos slogans "abaixo a energia nuclear!" ou agora, na fórmula em voga das funções nucleares do Estado, o poder discursivo está na sua capacidade de legitimar e de criar identificações – viradas para a acção ou para a aceitação conformista. Se no primeiro caso ia no sentido do protesto e do contra-poder, no segundo, tratando-se de um discurso institucional, procura "transformar a força em direito e a obediência em dever" (Rousseau dixit), isto é, reforçar o poder.
E como as coisas mudaram! Aquilo que hoje se defende por ser "nuclear" não se deve a nenhum fechamento isolacionista mas antes a que o "núcleo duro" do Estado está, supostamente, preocupado com as ameaças externas (1), com o sentimento de insegurança (2) e com a necessidade de boas leis (3), para proteger as suas "periferias", ou seja, para garantir segurança às populações em risco. É claro que estas, prefeririam outras prioridades porque, de facto, sentem que os riscos que correm são de outra ordem. Prefeririam por exemplo que se desse prioridade às outras funções – as sociais –, aquelas que outrora a velha utopia social-democrata dizia serem essenciais. Na verdade, uma das boas razões pela qual o actual poder executivo, ele mesmo inspirado nessa mesma doutrina, mereceu o apoio dos portugueses foi justamente a defesa das funções redistributivas e reguladoras, antes prometidas como requisito de uma "coesão social" que ia muito além daqueles três domínios, numa lógica mais horizontal e menos centrada num dado "núcleo" prioritário.
Porém, as exigências reformistas ditadas pela sacrossanta "eficácia" do mercado querem agora impor um novo laisser faire que reduza o Estado ao seu papel "nuclear", para que o verdadeiro núcleo do verdadeiro poder (o do capital) prossiga livremente o seu caminho, em segurança, livre de quaisquer ameaças e tudo dentro da legalidade. Tais objectivos certamente reforçarão o poder desse núcleo, mas as consequências disso são imprevisíveis e podem ser as piores. Marx de um lado e Maquiavel de outro viram-se neste momento nos seus túmulos e dialogam. "mas este capitalismo e este Estado, além de cada vez mais irracionais estão a criar um novo precariado revolucionário!!" (diz o primeiro); –"deixa-te de sonhos idealistas! Os novos príncipes do séc. XXI estão a criar um forte exército de súbditos, bem pagos, para controlar essa plebe destroçada e sem futuro!!" (responde o segundo). Só no médio ou longo prazo saberemos se algum deles tem razão, mas em qualquer dos cenários os custos sociais não serão certamente prevenidos por meras funções "nucleares" do Estado.


 
 
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Elísio Estanque