Os tribunais judiciais têm vindo a assumir um protagonismo crescente, em todos os países do mundo, seja como garantes das liberdades cívicas, da proteção e da efetivação de direitos, como órgãos centrais do controlo social, como instrumentos de criação de um ambiente de estabilidade e de segurança jurídica, seja, ainda, como órgãos de controlo externo das instituições do Estado e da própria ação governativa, ultrapassando largamente o quadro funcional clássico de resolução de conflitos. A amplitude desse protagonismo pode variar muito de país para país dependendo de múltiplos fatores, como a intensidade democrática da sociedade e do sistema político, a eficiência e a qualidade do desempenho funcional do sistema judicial e ou a cultura jurídica dominante. A luta contra a corrupção e, em geral, contra a criminalidade económico-financeira e a expansão da ação dos tribunais para áreas tradicionalmente na esfera do poder político - fenómeno conhecido por judicialização da política - constituem dois principais vetores em que assenta o protagonismo e o mediatismo dos tribunais judiciais.
Sendo a judicialização da política um fenómeno multifacetado (Ran Hirschl, 2006 refere três categorias de judicialização da política destacando a que designa de judicialização da 'mega-política'), as sociedades e, em geral, os atores políticos olham, hoje, para o judiciário como um campo apropriado para a discussão de questões de natureza política e ou questões sociais relevantes. A criação de tribunais transnacionais (de que o espaço europeu é o exemplo mais evidente, com o Tribunal de Justiça da União Europeia e o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos), cujas decisões têm um impacto profundo no processo de desenvolvimento de políticas públicas a nível regional, seja de natureza financeira (atente-se, por exemplo, ao impacto da posição do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o programa OMT- condições de compra pelo BCE de dívida soberana), comercial, ambiental, seja de proteção de direitos sociais e humanos, aprofundou este fenómeno. Todos os dias, em todo o mundo, os tribunais tomam decisões com impacto no desenvolvimento de políticas públicas e, com frequência, são chamados a decidir sobre questões de enorme controvérsia social e política. No quadro europeu, a judicialização da política é particularmente intensa face à possibilidade de condicionamento das políticas públicas e, em geral, da ação política pelas decisões de tribunais europeus, tribunais constitucionais e tribunais ordinários. Não surpreende, por isso, que expressões como "poder dos juízes", "tribunalcracia", "juristrocracia" e ou "governo dos juízes" tenham passado a constar das análises académicas sobre os tribunais.
A influência pelos tribunais, de forma direta ou indireta, na ação política, com frequência transformados num campo de luta política mobilizados por partidos políticos ou por organizações da sociedade civil, coloca especiais desafios à tradicional doutrina da separação de poderes, obrigando à redefinição das fronteiras entre o poder político e o poder judicial, e aprofundam a tensão com os restantes órgãos de soberania, colocando no debate a questão da independência dos tribunais. Apesar de o princípio da independência dos tribunais constituir um dos princípios básicos do constitucionalismo moderno, reforçado em vários instrumentos de direito internacional, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes, quer o seu questionamento, quer as condições da sua efetivação surgem, com frequência, no debate social e político. Análises várias sobre os tribunais, enquanto poder do Estado, evidenciam a sua subalternização política face aos poderes executivo e legislativo que detêm os instrumentos legais, financeiros e materiais determinantes para o desempenho das suas funções, o que faz deles, nessa perspetiva, o órgão de soberania mais fraco.
São conhecidas, em muitos países, ações concretas do poder político com o objetivo expresso de enfraquecer a autonomia e a independência do judiciário. No espaço da União Europeia têm merecido especial atenção das instituições os casos da Hungria e, mais recentemente, da Polónia, dois Estados-membros em que se tem evidenciado uma tendência crescente de controlo político do poder judicial. Entre nós, a questão da independência do judiciário tem vindo a ser levantada, em especial pela Associação Sindical dos Juízes, a propósito da discussão sobre o Estatuto dos Magistrados Judiciais, que constitui, hoje, um conflito institucional entre o poder judicial e o poder político. Além das reivindicações relacionadas com questões salariais e de carreira - que em certos contextos e condições podem, em si mesmas, ter reflexos na independência judicial- são também salientadas a melhoria das salvaguardas da independência dos juízes. A centralidade da independência dos tribunais para a afirmação do Estado de direito e, em geral, para o funcionamento democrático da sociedade portuguesa exige que se faça um alargado e transparente debate, envolvendo o poder político e judicial, mas também a sociedade, sobre a concretização do princípio da independência dos juízes e se e em que medida o Estatuto dos Magistrados Judiciais em discussão o poderá ameaçar.