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07-07-2008        Revista de Opinião Socialista
1. De que modo o sindicalismo português será atingido nos actuais processos negociais de revisão do Código do Trabalho?

O sindicalismo português será muito atingido pelos impactos dos processos de revisão da legislação laboral em curso, quer no sector privado, quer na Administração Pública; isto no pressuposto de que o Governo, sustentado numa maioria absoluta que se sintonize em pleno com ele, na AR, continue a não ouvir e a não reflectir sobre os argumentos que os sindicatos e outros actores sociais, individuais e colectivos, vão desenvolvendo.

Se concretizarem o objectivo de impor a caducidade de toda a contratação colectiva existente, tendo em conta que a "nova negociação colectiva"; se fará com a possibilidade de os patrões imporem "a liberdade"; de negociar para baixo ou para cima do que disporá o Código (com excepção de 16 matérias), e com a possibilidade de adesão individual aos "novos contratos colectivos"; encaminhando os trabalhadores para os "sindicatos"; que mais facilmente "negoceiam"; com os patrões; se for em frente todo um conjunto de propostas ("banco de horas"; com centenas de horas de trabalho pagas a singelo, mesmo que sejam horas extra ou de descanso, "adaptabilidade grupal";; "horários concentrados";, reforço da relação individual de trabalho, etc) que coloca os trabalhadores a trabalharem mais horas por menos dinheiro; se o processo de despedimento permitir ao patrão maior facilidade para afastar o trabalhador do local de trabalho logo que decide despedi-lo como se desenha na revisão do Código; se o combate à precariedade no trabalho não passar daquilo que até agora está anunciado – não existam dúvidas de que estaremos perante um enfraquecimento profundo da posição dos trabalhadores na relação de trabalho, perante um quadro novo e muito mais difícil para o desenvolvimento da acção sindical, com desafios muito exigentes e cheios de armadilhas para os sindicatos, a par da tentativa patronal e governamental de instituírem "representatividade"; a sindicatos de conveniência. Este é o cenário para os sectores privado e público!


2. O sindicalismo português preocupa-se com a inovação social e tecnológica nas empresas? A competitividade das empresas pode beneficiar também os trabalhadores? Em que condições?

Nas empresas onde se consegue impor a liberdade sindical e ter organização colectiva estruturada, a atenção e pronunciamento reivindicativo sobre a inovação social e tecnológica tornam-se num dos conteúdos regulares e muito influentes da acção sindical. Quanto ao conceito de competitividade há que questioná-lo profundamente. Está na moda pedir sacrifícios e mais sacrifícios aos trabalhadores, em nome da competitividade, sem quaisquer contrapartida para eles. Em regra os patrões, privado e público, chamam os sindicatos para serem seus "parceiros"; no corte de direitos e regalias e até de encerramentos e falências, sempre em nome da competitividade.

É preciso falar-se simultaneamente da competitividade e produtividade e negociar a repartição dos ganhos do aumento da produtividade. Por outro lado confirma-se que se os patrões tratarem os trabalhadores com dignidade, se assumirem o respeito pelos seus direitos, designadamente, os relativos à construção de factores de segurança e estabilidade no trabalho e à formação profissional contínua, surgem ganhos das empresas na produtividade e na competitividade.

3. O diálogo social e a democracia dentro das empresas em Portugal tem condições de realizar acordos vantajosos simultaneamente para trabalhadores e empresários? Quais os principais problemas que os impedem?

Onde existe liberdade sindical, efectivação do direito de organização e acção colectivas, estruturas representativas dos trabalhadores que os patrões assumem e respeitam como efectivos parceiros sociais, constrói-se diálogo, negociação (com mais ou menos conflito) e bons resultados.

O problema fundamental situa-se no facto de, na maioria esmagadora das empresas portuguesas (e também nos serviços públicos), não existir, de facto, nem liberdade sindical efectiva, nem práticas de diálogo e negociação. Poderá dizer-se que da parte dos sindicatos é necessário reforçar a formação dos seus quadros e construir uma cultura negocial mais ofensiva, num contexto que lhes impõe um enorme esforço de defesa de alguns direitos que os trabalhadores ainda vão tendo.

Também me parece que, no plano geral, a sociedade portuguesa através da acção política (partidos, governos e instituições), das posições de organizações diversas e das elites (que sejam sensíveis aos problemas do trabalho), da reflexão e acção dos académicos, é preciso construir uma outra valorização do trabalho e do sindicalismo.


4. O sindicalismo português tem ou não condições de responder ao problema da precariedade? As actuais propostas e a acção do Movimento Sindical estão ajustados às circunstancias e dificuldades dos sectores mais precários?

A CGTP-Intersindical Nacional assumiu a abordagem e combate à precariedade como um dos temas centrais da sua acção para o período 2008-2012. No XI Congresso (Fev. 2008) chamou-se a atenção para o facto de a precariedade ser hoje um problema laboral e sócio-laboral muito delicado, mas também um problema político profundo, que tem de ser assumido por toda a sociedade.

No plano sindical delinearam-se medidas para que os sindicatos consigam melhor divulgação dos direitos mínimos de todos os trabalhadores, reforço do contacto com os trabalhadores precários, construção de propostas de acção que sejam transversais aos interesses de todos os trabalhadores numa mesma empresa ou serviço independentemente do tipo do seu vínculo, exigência de contratação colectiva que se lhes aplique, inovação nas formas de organização e de formulação das suas propostas reivindicativas a partir das situações concretas em que se encontram, pressão sobre o poder político e alertas ao poder judicial para que estes dêem sinais quanto às condições violentas da precariedade, atenção à articulação da acção dos sindicatos com os impulsos (mesmo que pontuais e pouco orgânicos) que aqui e ali os precários vão assumindo ….

Observe-se que o terceiro grande tema que o Governo colocou na revisão do Código de Trabalho (os outros dois são a contratação colectiva e o tempo de trabalho como já referi), é o da precariedade. Isto acontece porque os sindicatos e, em particular a CGTP-IN, deram grande enfoque ao tema em toda a preparação do seu último Congresso.

Contudo, as respostas que o Governo avança são meramente pontuais e algumas de efeitos muito duvidosos podendo tornar-se apenas em legalização da precariedade, nomeadamente, as que se referem á forma de lidar com os recibos verdes, com o trabalho temporário ou com os encargos para a segurança social no que diz respeito aos contratos a prazo.


5. Qual o desfecho previsível do actual processo de negociação em curso? Haverá acordo ou não? Quais os principais pontos de divergência? Porquê?

As grandes divergências situam-se nas posições estruturais sobre a negociação colectiva e sobre a definição, a gestão e o controlo do tempo de trabalho.

Com a CGTP-IN não há acordo possível com as actuais propostas. Se o Governo mantivesse o essencial das posições e propostas que o Partido Socialista assumiu, aquando da discussão do Código em 2003, muito provavelmente a CGTP-IN seria o "parceiro"; mais próximo no processo de revisão.

Não haja ilusões! O 1º Ministro pode vir dizer, como disseram ao longo de mais de duas décadas os seus antecessores, que com esta revisão é que se vai melhorar as condições dos trabalhadores, a produtividade, a competitividade e o desenvolvimento do país, que isso não altera a realidade: daqui a uns tempos vamos constatar, como aconteceu no passado, que estamos pior.

Esta revisão do Código acompanha e integra uma dinâmica neo-liberal em curso na Europa contra o fundamental do Modelo Social Europeu que, entretanto, se vai degradando, e, a prazo, se os trabalhadores e os povos não reagirem mais forte, já pouco significará.

Repare-se que os subscritores deste Acordo, constituído estrategicamente, desde o início de 2006, com alianças entre o Governo e sectores dominantes do patronato, são os mesmos de todos os outros Acordos do passado que só agravaram os problemas.

Pode-se até criticar as posições e as estratégias da CGTP-IN no processo, mas é um facto que o Governo assumiu, desde o início, o movimento sindical referenciado na CGTP-IN (em praticamente todos os sectores) como o adversário a abater. O Governo não foi capaz e, acima de tudo não quis encontrar novos compromissos que abram caminhos novos e com futuro: o que teremos é mais do mesmo.


6. A caducidade das convenções colectivas é um ponto decisivo nas negociações? Em que condições poderia haver acordo nesse ponto?

Claro que é!

Os "edifícios"; da contratação colectiva existentes nos países da U.E. demoraram muitas décadas a serem construídos. Em Portugal começou-se no final da década de sessenta do século passado. Ao longo do tempo houve, como nos outros países, renovações e acertos constantes, muito influenciados pelas relações de forças de cada contexto.

É criminoso, politicamente, que um Governo do PS fundamente, como faz o 1º Ministro, o ataque à contratação colectiva por ela ser "velha";, insinuando que os trabalhadores portugueses ainda estão senhores de grandes vantagens nas relações de trabalho de que se "apropriaram"; pelo processo revolucionário. Sejamos honestos, em geral a nossa contratação colectiva é mais frágil, e até despida de conteúdos, que aquela que existe nos países da União Europeia (não só dos 15 mas também de alguns dos outros).

Os patrões querem a caducidade dos contratos, porque eles foram construídos em contextos em que vigorava o princípio do tratamento mais favorável, logo têm um conjunto de disposições e direitos pontuais melhores que a lei geral. O patronato, se conseguir a caducidade de todas as convenções, num quadro em que se confirma o afastamento do princípio do tratamento mais favorável, num contexto de deslocalizações, elevada precariedade e desemprego e com o reforço da relação individual de trabalho, obtêm talvez o maior bodo que alguma vez lhe foi oferecido. Com isto está a fixar-se em Portugal, por mais uns bons anos, a matriz dos baixos salários, do trabalho pouco qualificado e muito explorado.

Os "subscritores"; do Acordo dizem que tudo vai ser negociado, mas pergunto como, se na maioria das empresas e serviços não há liberdade sindical e organizações representativas? Os patrões – até que as relações de forças se alterem e eles tenham que negociar a sério – vão encontrar mil e uma formas de manipular a representação sindical, e como sempre ao longo da história, não faltarão sindicatos de conveniência.

Se o Governo retomasse o princípio do tratamento mais favorável e encontrasse, nos casos de impasse negocial, mecanismos de obrigar à negociação para a renovação da contratação colectiva sem a sua caducidade, era possível haver acordo.


7. Alguns especialistas consideram que o trabalho no mundo actual se tornou mais fluido, instável, volúvel (como um voo de borboleta) e que as correntes mais importantes do movimento sindical continuam a agir na base do modelo industrial nacional, são pesadas e movem-se lentamente (como o andamento de um caterpiller). Até que ponto essa metáfora faz sentido? Como adaptar melhor a actividade sindical ao trabalho precário e metamorfoseado de hoje?

O trabalho tornou-se muito fluido, instável e volúvel, mas os poderes dominantes (patronal e político) não querem assumir nenhum compromisso sério entre a duração de um posto de trabalho e o emprego que lhe é inerente. Por outro lado, não é apenas o trabalho que é confrontado com essa "fluidez";, "instabilidade"; e "volubilidade";. Estas são características demolidoras do actual sistema capitalista, marcadamente neoliberal e belicista, que atingem todas as áreas e instituições.

Vivemos tempos de grande exigência: talvez a necessidade de reanalisar e ressituar origens, observar os avanços conseguidos e os patamares em que nos encontramos hoje, e, a partir daí sermos ofensivos nas propostas de renovação e transformação.


8. As dificuldades de se chegar a um compromisso amplo resultam de facto da incompatibilidade de interesses entre trabalhadores/ governo/ empresários? ou do receio/resistência sindical face à pressão (do mercado e do governo) sobre as suas estruturas e possível perda de influência no futuro?

Julgo que as respostas anteriores, abordando os problemas nos seus espaços concretos, mostram factores que se situam em todos estes campos. O grande, o maior problema para a evolução das relações de trabalho, numa perspectiva de harmonização no progresso, que tenha em conta as realidades do país, da União Europeia, mas também as realidades globais e em particular dos países/blocos emergentes é, sem dúvida, a ofensiva neo-liberal em curso que, no plano social, é avassaladora visando a "harmonização"; no retrocesso.

Lisboa, 07.07.08

 
 
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Elísio Estanque