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24-10-2008        Diário de Coimbra
A democracia não se esgota nos partidos, mas a qualidade da democracia depende largamente da eficácia do funcionamento dos partidos. No actual contexto sociopolítico as democracias liberais do ocidente vêm emitindo repetidos sinais de crise, de desconfiança dos eleitores face aos eleitos e de indiferença dos cidadãos perante a vida pública e as instituições democráticas, o que se espelha quer nos índices crescentes de abstencionismo em diversos actos eleitorais quer nos baixos índices de participação cívica e política das populações e da sociedade civil.

Se é certo que uma parte dos motivos geradores dessa indiferença se deve às tendências sociais mais vastas – numa sociedade cada vez mais sujeita às pressões do consumo e do mercado, e em que os indivíduos se sentem cada vez mais desmotivados e desinteressados da actividade política, refugiando-se na esfera privada e familiar –, também é verdade que a chamada "classe política", os dirigentes partidários têm responsabilidades maiores nesta matéria. Criou-se a ideia entre a população de que os cargos públicos se destinam sobretudo a satisfazer os interesses pessoais de quem os ocupa. Ao contrário de outras eras, em que ser político significava dedicação à causa pública, capacidade de pensar e promover a mudança e o bem-estar colectivo, hoje, ser político passou a significar ser "medíocre", querer "tacho" e desejo de protagonismo.

As razões disso são muito diversas e complexas. As mais profundas radicam, em última instância na sociedade, na cultura e na mentalidade. Mas é inegável que os próprios políticos e dirigentes têm aí responsabilidades particulares, desde logo, porque só eles próprios podem contribuir para mudar as mentalidades (sobretudo enquanto ocupam o poder).

Vem isto a propósito das eleições distritais do PS. É, desde logo, curioso e sintomático que apenas em quatro federações distritais existam mais do que uma lista candidata à liderança da federação. Isto diz muito do défice de debate e até de democraticidade interna do PS. Quanto ao debate de ideias, não há muito a dizer. Todos sabemos o marasmo que reina no partido, em particular nas suas estruturas concelhias e distritais. As reuniões são em boa parte dos casos ocupadas com os próprios dirigentes a fazerem o seu permanente auto-elogio e a diabolizar os potenciais adversários internos. E quanto à democraticidade, num partido que tanto exalta (e bem) o pluralismo, a liberdade e a diversidade de opiniões, não se pode deixar de considerar estranho tão flagrante escassez de candidaturas de "oposição" interna.

Porque é que isso acontece? Em primeiro lugar porque, infelizmente, se instalou a ideia de uma falsa união em torno do "líder" (com aspas), a qual espelha a confusão existente entre aceitação e consenso, entre diversidade e divisão, entre lealdade e seguidismo. Já escrevi antes sobre isto, mas vale a pena insistir: só há verdadeira unidade se ela for forjada a partir da diferença; só há democracia efectiva se houver debate aberto; só há consenso se a divergência conduzir à convergência (através do debate, claro). Em segundo lugar porque, em vez do confronto de ideias e de propostas exige-se a todo o custo um pseudo unanimismo construído na base da bajulação do poder. Estando o partido no poder, os dirigentes em exercício retiram dai vantagens para se perpetuarem nos seus lugares, através da distribuição de benesses diversas, ou movendo formas de pressão, directas e indirectas, para descredibilizar qualquer opositor.

O apoio ao líder no poder seria normal se ele resultasse da sintonia de convicções políticas ou do reconhecimento da obra feita, mas em muitos casos (e Coimbra é um deles) resulta, sim, das dependências criadas, recorrendo às mais torpes chantagens e ameaças dos dirigentes sobre os seus pretensos apoiantes, de quem se julgam donos (dos votos e até das consciências). Só se compreende tão escassa disputa interna porque muitos quadros e militantes capazes receiam sujar o seu nome ao verem-se objecto deste tipo manobras e de intriguismo de baixo nível. Ainda bem que em Coimbra foi possível resistir a isso e haver uma candidatura de mudança. É, pois, chegado o momento de dizer basta de caciquismo! Basta de manobras baixas! É tempo dos militantes do PS mostrarem que ninguém manda na sua consciência! É tempo de devolver o partido às bases! É tempo de mudança na distrital de Coimbra!

 
 
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Elísio Estanque