Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
12-06-2009        Diário de Coimbra
Não há dúvida, isto foi mais do que um mero sinal amarelo. Foi um aviso muito sério, ou talvez o prelúdio do que pode vir a suceder nas eleições parlamentares. Será que Sócrates e os seus indefectíveis começaram finalmente a perceber o que tanta gente – tantos milhares de ex-eleitores do PS – vinham dizendo, e gritando, nos últimos 2 anos? Que querer governar na base de políticas económicas liberais, mesmo que travestidas de uma roupagem "social";, já não resulta?! Que querer impor reformas contra aqueles que devem ser os seus principais veículos é um procedimento arriscado em democracia? Enfim, que todos os tiques de autoritarismo, tentativas de imposição de um pensamento único, de uma visão maniqueísta e sectária do "connosco ou contra nós"; só poderiam ter este resultado?

Bom, é verdade que se tratou de eleições para o Parlamento Europeu e não para a Assembleia da República. É verdade que não era suposto neste escrutínio serem as políticas governativas que estavam em causa. Mas, ora ora..., todos sabemos que foi largamente esse o motivo que levou os portugueses a votar como votaram, ou antes, como não votaram. O que resta saber é se isto foi apenas uma cartão amarelo, um "aviso à navegação"; do barco do Eng. Sócrates, ou simplesmente um prenúncio da derrocada desta maioria.

A Europa só muito lateralmente foi influente nesta viragem. Para a maioria dos portugueses a Europa é outra coisa, que não nos diz respeito. Não está aqui ao lado, mas nos nossos antípodas. Os portugueses estão virados para o mar e esta acentuada litoralização, este virar de costas à Europa, é uma metáfora: caminhamos para ela, mas seguindo a rota do ocidente. Por isso fica tão longe. Em primeiro lugar, uma abstenção que bateu o recorde de 2004 é muito preocupante. Os quase 20% de votos que fugiram ao PS foram sobretudo engrossar essa larga fatia de abstencionistas. Mas muitos estarão também entre os 4,6% de votos em branco (que, somados aos nulos atingem os 6,6%) e ainda naqueles que entraram no Bloco de Esquerda e alguns (menos) na CDU. As sondagens falharam rotundamente: falharam a derrota do PS, a vitória clara do PSD, a consolidação do CDS e o reforço da CDU/PC. À excepção dos resultados no BE, falharam em tudo (e isto merece reflexão). Por isso ninguém esperava um resultado tão desastroso para o PS.

Olhando para o mapa da UE constatamos um reforço da direita, mas também da esquerda. Pelo menos da esquerda que não cedeu à onda mercantilista e liberal, como aconteceu, por exemplo, com Sócrates, Zapatero e Brown. A esquerda de contestação e os Verdes ganharam, enquanto a extrema-direita nacionalista ganhou nuns países e recuou noutros. As tendências estão longe de ser uniformes, mas a social-democracia europeia está claramente em risco de esgotamento se persistir neste rumo. A Europa parece assim ter entrado em contra-ciclo com os EUA da era Obama, onde se assiste ao regresso do Estado regulador e redistribuidor, através de novas medidas assistencialistas e políticas sociais.

Com este novo cenário também se anuncia que – ao contrário das previsões falhadas – se consolidou a tendência pluralista (e não a anunciada bipolarização). Quer à direita, quer à esquerda, mas sobretudo nesta. Isto mostra que as pessoas se cansaram e já não acreditam nas vantagens das maiorias absolutas. Adivinha-se portanto um "Verão quente"; em Portugal. Sócrates e os seus mais próximos assumiram, e bem, a derrota sem tibiezas. Mas quando logo após o desfecho do acto eleitoral se anuncia com tanta veemência (como fez o Primeiro-Ministro) que vamos seguir o mesmo rumo, parece ilustrar a mesma teimosia de quem não quis ouvir as vozes da razão. Vamos ver o que acontece em Outubro. Se vamos mesmo entregar o governo à direita ou se seremos capazes de virar à esquerda (não nas políticas do actual governo, que não há tempo nem vontade), preparando-nos para governar com base em acordos parlamentares entre as diferentes esquerdas. O que, evidentemente, requer uma outra estratégia e um outro programa...

 
 
pessoas
Elísio Estanque