Diz-se que normal é o que sucede com maior frequência numa determinada cultura e que, como tal, conhece maior aceitação. Por essa via, pode definir-se normalidade como uma incidência estatística. Sucede que, quando nos reportamos ao corpo, normal é a diversidade, a dissidência, tudo o que nos torna pessoas irrepetíveis. Bastaria pensar no exemplo clássico da impressão digital para reunir um elevado consenso acerca do argumento de que cada corpo é único - e especial.
Assim sendo, a ditadura dos corpos perfeitos que a fórmula 86-60-86 convoca assenta numa projeção fantasiosa produzida intencionalmente por um regime patriarcal que tem pouca correspondência com os corpos quotidianos, que, para além de diversos, estão em mudança. Nenhuma pessoa apresenta as mesmas características ao longo da vida. Somos seres mutantes, em constante movimento, corpos-projeto nos quais tudo se transforma - peso, altura, massa muscular, estrutura, densidade óssea, número de leucócitos ou valores do colesterol, mas também a pele mais ou menos hidratada, o comprimento das unhas e do cabelo, o que nos comove e mobiliza, o modo como aprendemos a ver mundo. A maior incidência estatística, em matéria de corpo, é a diversidade. Logo, artificial e violenta é a tentativa de disciplinar um corpo que, por definição e experiência, prossegue desordeiro. É dessa desordem que se produz vida, através de um corpo grávido que se transforma a cada segundo. É também dessa desordem que se produz o desejo, a empatia, a consciência antirracista, o reconhecimento de direitos a pessoas com diversidade funcional ou deficientes, pessoas transgénero e intersexo, pessoas com doença crónica ou cujos corpos não se encaixam numa claustrofóbica fórmula numérica. É urgente contribuir para padrões alternativos de beleza.