Num recente seminário internacional conjuntamente organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Fundação Friedrich Ébert e European Trade Union Institute, foram debatidas tendências, poderes e protagonistas do mundo do trabalho. O tema “desafios da precariedade e reconfigurações do trabalho” foi dos que suscitou maior interesse, em especial o trabalho em call centers.
Poucos serão os cidadãos que não tenham já contactado ou sido contactados por um/a operador/a de call center. Com efeito, em distintos setores – seguradoras, bancos, serviços de eletricidade, água, gás, telecomunicações, saúde, turismo, etc. – operadores recebem chamadas (inbound) para dar apoio a clientes ou realizam chamadas(outbound) para publicitar produtos via telefone. Trata-se de uma atividade em crescimento. De acordo com a Associação Portuguesa de Contact Centers (APCC), estima-se que trabalhem em Portugal entre 80 a 100 mil pessoas nesta atividade, repartidos por 422 call centers, segundo o Sindicato dos Trabalhadores de Call Center (STCC).
Mesmo que tal crescimento deixe antever mais oportunidades de emprego, ele não escapa a um processo de dualização que opõe “choques de realidade” a “ambições utópicas”. De um lado, num olhar crítico, destacam-se sinais de infortúnio no trabalho de operadores de call center: baixos salários, condições laborais precárias, alta rotatividade (logo, escassez de progressão na carreira), eliminação de tempos mortos entre tarefas, aumento da velocidade de execução dos trabalhos, pressão constante, mão de obra qualificada mas não valorizada como trabalho de conhecimento (daí uma secundarização das qualificações face ao controlo da gestão ou às estratégias de negócios), incorporação de princípios tayloristas de organização do trabalho, stress, baixos índices de sindicalização, etc.
Do lado utópico, por sua vez, buscam-se práticas de emancipação e dignidade laboral. Valoriza-se o potencial das tecnologias de informação, capaz de implementar processos de trabalho altamente automatizados ou mesmo reduzir a rotinização por meio de tecnologias “multi-channel”, baseadas numa variedade de formas de interação dos trabalhadores com os clientes. De igual modo, clama-se por reconhecimento profissional e suportes institucionais (como a negociação coletiva) geradores de democracia no local de trabalho. O que pressupõe, a montante, organização associativa (sindical e não sindical) indutora de maior proteção, mais alegria no trabalho e maior motivação.
Colocados em lados opostos, fatalidade e utopia não são um exclusivo de call centers. Mas nesta atividade em concreto o espaço para a autonomia, criatividade e reconhecimento parecem secundários face à rotatividade, descartabilidade e racionalização (cf, por exemplo, João C. Louçã, Call Centers: trabalho, domesticação, resistências. Porto: Deriva, 2014; ou Elizardo Scarpati, A hegemonia do capital nas atlanticidades telecomunicativas. Rio de Janeiro: Multifoco, 2016).
Nesse sentido, o trabalho em call centers carece de um plano de ação que o apromixe de utopias realistas. De entre as possíveis e complementares vias de intervenção destaco três:
1. A via do reconhecimento profissional, como primeiro patamar regulador da situação laboral. Não obstante as reuniões individuais com grupos parlamentares e as audições na Assembleia da República, a petição “O trabalho em call centers é uma profissão de desgaste rápido!” lançada pelo STCC em 2014 continua à espera de resultados concretos vindos “de cima”.
2. A via da regulamentação ousada. Neste caso, trata-se de ambicionar a extensão do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP) a realidades privadas onde a ideia de “necessidade permanente” apresenta uma veste continuamente precária: como desabafava o presidente do STCC no seminário, há quem trabalhe em call centers há 10 ou 15 anos com contratos a termo renováveis quinzenal ou mensalmente! Mas trata-se igualmente de defender uma regulamentação mais ousada em call centers de serviços públicos (como a Linha Saúde 24, a Segurança Social, os Impostos), substituindo, por exemplo, o excessivo peso de adjudicações com empresas de trabalho temporário por contratação direta com o Estado.
3. A via do reforço legislativo. Mesmo sabendo que quase 100% dos operadores (e dos supervisores) são contratados em regime de outsourcing (segundo dados da APCC), trata-se de esperar que o recente reforço legislativo da lei 63/2013 possa, paulatinamente, dar lugar ao reconhecimento de contrato de trabalho. E, assim, afastar-se de falsas prestações de serviço, falsas bolsas, falsos estágios, trabalho informal, modalidades a que o universo dos call centers é permeável.
Como qualquer outra atividade laboral, o trabalho em call centers não pode fechar a porta à esperança. Mas como a esperança não cai do céu, enquanto não se superam vazios legais – que, se debelados, ajudariam a perspetivar o trabalho em call centers menos como recurso temporário (alternativo) e mais como opção de futuro –, os operadores contam com dois tipos de suportes coletivos compensatórios de perceções subjetivas pessimistas: um, interno, associado às dinâmicas de interação e espírito de equipa entre os próprios operadores; outro, externo, através do apoio coletivo quer do STCC, quer do trabalho conjunto deste com outras associações de trabalhadores precários.