Centro de Estudos Sociais
sala de imprensa do CES
RSS Canal CES
twitter CES
facebook CES
youtube CES
21-09-2000        Visão
A repercussão mundial da condenação do agricultor francês José Bové por ter organizado a destruição de um restaurante MacDonald's em protesto contra a invasão americana de carne com hormonas e alimentos transgénicos é mais um exemplo de que a globalização é hoje um fenómeno complexo que escapa por vezes ao controle do capitalismo global e é susceptível de se virar contra ele. Uma semana antes da condenação, Bové estivera na cidade norteamericana de Madison, donde escrevo, a falar a milhares de pessoas reunidas para defender a agricultura sustentável e a qualidade da alimentação contra os perigos da engenharia genética.


Tudo leva a crer que os alimentos transgénicos sejam um dos temas mais debatidos nos próximos anos, uma vez que neles se chocam os interesses económicos das grandes empresas de biotecnologia com as preocupações crescentes dos Governos e dos cidadãos quanto aos perigos ambientais e para a saúde pública decorrentes dos organismos geneticamente modificados. Ao contrário do que se pode pensar, mesmo nos EUA tem vindo a diminuir o apoio da opinião pública aos alimentos transgénicos e é por essa razão que as empresas de biotecnologia acabam de lançar uma campanha massiva de relações públicas (no valor de 52 milhões de dólares) destinada a promover os benefícios dos seus produtos. A controvérsia incide sobre três questões principais: perigos para a sáude pública; impacto ambiental; eliminação da fome no mundo.

Apesar de todo o alarido sobre a descodificação do genoma humano, sabe-se muito pouco sobre o funcionamento biológico do material genético nas plantas, nos animais e nos seres humanos e, à luz disto, não é possível garantir a inocuidade dos alimentos transgénicos para a saúde pública. São três os perigos principais: aumentos imprevisíveis de toxicidade nos alimentos; criação de bactérias resistentes aos antibióticos actualmente em uso; agravamento das reacções alérgicas.

Os principais perigos ambientais são os seguintes: poluição biológica: o pólen das plantas transgenéticas não respeita as demarcações dos terrenos e a sua interacção com as plantas convencionais não é conhecida nem é controlável. Dependência química: os líderes da biotecnologia - Monsanto, DuPont, Aventis e Novartis - estão ligados às empresas químicas que produzem pesticidas e herbicidas; está hoje provado que os agricultores de produtos transgénicos usam mais esses e outros produtos químicos que os agricultores convencionais. Diminuição da biodiversidade: as plantas transgénicas, por terem genes que lhes permitem sobreviver em ambientes hostis, podem vir a sobrepor-se às demais espécies e a conduzir a extinção de muitas delas.

Finalmente, no que respeita à possível eliminação da fome no mundo prometida pela agricultura transgénica, as dúvidas acumulam-se e com boas razões. Em 1999, 99% das plantações transgénicas tiveram por objectivo controlar as pragas e não aumentar a produção ou o valor nutritivo. Por outro lado, o problema da fome no mundo - 800 milhões de pessoas segundo os cálculos das Nações Unidas - não é um problema de produção. De facto, o mundo produz hoje o suficiente para alimentar cada habitante do planeta com cerca de dois quilos de comida por dia. O problema da fome é um problema de desigualdade, de injustiça e de pobreza.

 
 
pessoas
Boaventura de Sousa Santos