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18-06-2017        Jornal de Notícias

A oposição entre Estado e mercado marca, em boa medida e com regularidade, o debate político e mediático, mas esta é uma falsa oposição já que não existem mercados sem a intervenção direta do Estado, efetivada através do aparelho  regulatório ou das infra-estruturas que o último garante aos agentes privados que atuam em cada mercado. Contudo, existem bens e serviços com propriedades materiais tais e/ou de tal forma essenciais ao funcionamento das nossas sociedades, que a sua provisão é ainda mais exigente, necessitando de uma intervenção pública que vai muito para além do enquadramento das relações mercantis. O caso mais saliente dos últimos anos foi o do setor bancário, alvo de inúmeros "resgates". Aprendemos que a banca privada não pode falir, sob risco de arrastar a restante economia consigo dada a importância da moeda e do sistema de pagamentos.

A eletricidade é outro exemplo. Sem ela – e sem outros bens e serviços básicos como a água, o gás, as telecomunicações, os transportes – os restantes setores da economia e a sociedade que hoje conhecemos  não podem funcionar. Para lá da sua importância, que torna impossível a "falência" dos seus provedores, a maioria destes bens e serviços têm caraterísticas materiais e tecnológicas que impedem qualquer funcionamento de mercado com base em preços determinados pela oferta e procura momentâneas. No caso da produção elétrica, não podemos ter barragens hidroelétricas e outros tipos de centrais de produção que concorram nas mesmas condições (dadas as particularidades físicas em que se inserem); não podemos ter redes de alta tensão concorrentes; e não podemos ter diferentes contadores elétricos em nossas casas para diferentes fornecedores.

Ora, a impossibilidade de mercados concorrenciais nestes setores não os afastou da expansão neoliberal. "O neoliberalismo é um programa de sociedade" que embora aparentemente pregue o contrário, entrega ao Estado tarefas importantes para este organizar a economia e a regular a favor de interesses privados, para garantir mecanismos de corte nos direitos dos trabalhadores e fundamentar uma harmonização social no retrocesso, para estruturar uma redistribuição da riqueza debaixo para cima, favorecendo o topo da pirâmide.

Sob o mantra da superior eficiência do "privado", fragmentaram-se, segmentaram-se e privatizaram-se as empresas públicas destes setores estratégicos do bem comum, e procurou-se "imaginar" como funcionaria o mercado nos preços, nas quantidades e na organização da produção, criando novas entidades reguladoras como "garante" dessa ficção. O resultado está à vista. No caso da EDP, verdadeiro monopólio da provisão de eletricidade em Portugal, desenharam-se contratos com base em informação que só a EDP detinha, que garantem elevadíssimas rentabilidades quaisquer que sejam as condições mais gerais da economia. O resultado traduz-se em lucros excessivos para os acionistas, elevados custos da eletricidade para empresas e famílias e, ao que parece, relações onde grassa a corrupção. Pior para Portugal não podia ser.

Não surpreende pois, que em países onde estas experiências foram mais longe, como no Reino Unido, apareçam agora programas políticos com grande apoio popular como o de Jeremy Corbyn, que propõe não só a defesa de setores estratégicos, como a renacionalização dos transportes ferroviário, correios, água e energia. Para uma economia mais eficiente e limpa de negociatas privadas, estes setores têm de estar sob propriedade pública. Contudo, a propriedade pública é condição necessária, mas não suficiente. Só com  qualificação de quadros e uma efetiva participação democrática que envolva o Estado, os trabalhadores, os consumidores, atores económicos e outros agentes públicos, podemos ter serviços públicos de qualidade ao serviço da economia e do bem estar das pessoas.

Existem setores produtivos que são públicos por natureza. É o caso da energia, mas também das telecomunicações e dos transportes. Pode-se fingir que existe um mercado neste setores e até tentar cria-lo. Mas isso sai caro e quem paga somos todos nós.

Amplie-se o combate tomando um seguro pressuposto que os neoliberais utilizam há muitas décadas: "nada é inevitável na existência social".

 


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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