A importância das eleições presidenciais nos EUA é o correlato da hegemonia do país no sistema mundial. O que nelas se discute e decide acaba por ter impacto além-fronteiras. Daí que a qualidade do processo político norteamericano seja de interesse para todos nós. E a este respeito há alguns factos perturbadores.
Ao contrário do que por vezes se diz, há diferenças programáticas reais entre o candidato democrático e o conservador. Vejamos as principais. Os EUA têm um superavit orçamental que pode ser usado para pagar a dívida nacional, reduzir os impostos ou aumentar os gastos nas áreas sociais (educação e saúde): Al Gore é a favor de reduções moderadas dos impostos e concentradas nas classes médias, investindo mais dinheiro nas áreas sociais; Bush é a favor de grandes reduções de impostos que favorecem sobretudo os ricos. Educação: Bush pretende dar liberdade aos pais de escolher as escolas para os seus filhos e fazer depender o emprego e o salário dos professores da qualidade dos resultados escolares; Al Gore pretende investir muito mais na educação, contratar mais professores e diminuir o tamanho das turmas. Na saúde ambos os candidatos se centram nos mais idosos, os únicos cobertos por um sistema nacional de saúde de tipo universal mas que entretanto não abrange os medicamentos cujos preços estão a subir à taxa de 25% ao ano: Al Gore pretende que o Governo Federal subsidie os medicamentos; Bush pretende dar incentivos às seguradoras para criarem seguros de medicamentos. Segurança social: Al Gore pretende manter o sistema público enquanto Bush pretende a sua privatização parcial (mais tímida que a proposta pelo PSD ou pelo CDS). Na área da justiça, e dada a importância do Supremo Tribunal no quadro legal do país, é crucial controlar o processo de nomeação dos juízes. Calcula-se que o próximo presidente venha a nomear 3 ou 4 juízes: Bush nomeará juízes mais conservadores e Al Gore juízes mais progressistas. Está, por exemplo, em causa a sobrevivência da legalidade do aborto. Por último, Al Gore é mais ambientalista que Bush e este é mais militarista que aquele.
O paradoxo destas diferenças é que as políticas concretas dos próximos quatro anos não serão substancialmente diferentes qualquer que seja o candidato eleito. A razão é simples: as decisões mais importantes são tomadas pelos grandes interesses económicos através dos seus lobbies e do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais. Salvo raras excepções, as quantias astronómicas dispendidas em publicidade televisiva acabam por tornar a classe política refém do poder económico. Nos EUA não há corrupção política porque a corrupção está legalizada (o que, pelo menos, tem a vantagem de permitir alguma transparência). O Supremo Tribunal decidiu recentemente que o financiamento privado ilimitado da política é uma emanação da liberdade de expressão. Al Gore é a favor da reforma deste sistema mas poucos acreditam que seja capaz de a impor. Daí que os cidadãos sejam tão cínicos a respeito da política e se abstenham mais do que em qualquer outro país democrático. E o mais preocupante é que essa atitude é sobretudo intensa entre os mais jovens: nas eleições de 1996 só 32% votou. Quando a democracia se transforma em plutocracia as classes sociais são também classes de cidadãos.