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16-11-2000        Visão
Faz hoje oito dias os estudantes da Universidade de Madison-Wisconsin pediram-me que discutisse com eles as eleições presidenciais. Acedi com gosto sobretudo porque detectei neles uma ansiedade profunda sobre a natureza e a qualidade da democracia norteamericana. A maioria dos estudantes tinha votado Gore ou Nader ou tinha-se abstido. Eis os principais temas de debate e algumas das conclusões a que chegámos: 1. O financiamento privado do sistema político é o cancro da democracia norteamericana. Os grandes interesses económicos nunca investiram tanto como nesta campanha e, apesar de investirem nos dois partidos, investiram muito mais em Bush do que em Gore. O desequilíbrio foi particularmente grande nos sectores onde as propostas de Gore significavam perdas de lucros potenciais: seguros, saúde, armamentos, petróleo. Este desequilíbrio contribuiu para que um candidato reconhecidamente medíocre e ignorante pudesse disputar em pé de igualdade com um candidato muito mais preparado, Vice-Presidente de um governo que preside a um crescimento sem precedente da economia. 2. O paroxismo da venda televisiva das imagens visa eliminar as diferenças das agendas políticas para que os pobres e as classes médias tenham dificuldade em identificar os seus interesses. Daí que 50% dos norteamericanos não tenha votado. As mulheres foram o grupo social que melhor superou a confusão mediática: Gore teve neste grupo uma vantagem de 20% sobre Bush. 3. O factor Nader foi decisivo nos resultados e para ele contribuiu o facto de Gore ter negligenciado a sua paixão ambientalista e ter, no passado, alinhado em votações decisivas com os sectores mais conservadores. É debatível se o factor Nader contribuirá no futuro para uma viragem à esquerda do partido democrático, ou, pelo contrário, para uma viragem à direita. Uma coisa é certa: as causas cívicas por que Nader tem lutado vão sentir nos cofres, se Gore perder, a raiva dos congressistas democráticos. Os jovens perguntam-se: será que os norteamericanos de esquerda estão condenados a colocar na Casa Branca o candidato mais conservador sempre que decidem votar em consciência?


4. Estas eleições vieram revelar algumas facetas perturbadoras da democracia americana e os jovens perguntam-se se a transparência democrática é nos EUA muito superior à dos países democráticos do Terceiro Mundo: como é possível que o Presidente possa ser eleito sem a maioria do voto popular e com a maioria duvidosa do colégio eleitoral? Porque não abolir o colégio eleitoral? Porque não se vota ao domingo, como na maioria dos países? Como é possível eleger um candidato morto? Porque é que as eleições, sendo federais, se cruzam com leis estaduais que variam enormemente? Porque se deu à televisão o poder de distorcer os resultados globais, transmitindo resultados parciais quando as mesas de voto ainda não encerraram? Porque é que se tentou abafar agora, como já se fez no passado, as suspeitas graves de corrupção na contagem dos votos? Que transparência é esta quando nenhuma contagem coincide com a anterior? Para responder a algumas destas questões muitos dos estudantes lembram-se do Centro Carter que nos últimos três anos fiscalizou eleições em Moçambique, Timor Leste, Nigéria, Indonésia, Libéria e as eleições de aldeia na China? E porque não as eleições norteamericanas? Em Maio de 1999, o Centro Carter realizou a sua primeira acção de fiscalização nos EUA: as eleições para o chefe tribal e para os 15 membros do Conselho Tribal dos índios Cherokees. Porque só os índios?

 
 
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Boaventura de Sousa Santos