Os portugueses já ouviram a afirmação mil vezes, em discursos políticos e também em declarações de empresários: Portugal não pode seguir um modelo de crescimento – e eu acrescento, e de desenvolvimento – assente em baixos salários e emprego precário. Será esta a realidade no mundo do trabalho? Que precauções e medidas de política devem ser implementadas para que a bota dê com a perdigota?
Num contexto de incremento da atividade económica e de significativo crescimento do emprego – que é possível manter e acelerar – é crucial saber se o tipo de emprego que está a ser criado nos afasta ou aproxima de um horizonte de desenvolvimento. Para tal é necessário dispor de informação segura sobre o emprego que está a ser criado. Foi o que fez o Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, através do Observatório sobre Crises e Alternativas, publicando há dois dias um estudo (o JN fez-lhe destacada referência), intitulado “Novo emprego. Que emprego?”[1], que analisa exatamente o “novo emprego”. Sem secundarizar qualquer fonte estatística disponível, o autor do estudo utilizou, pela primeira vez, uma base de dados “produzida a partir dos descontos feitos para o Fundo de Compensação do Trabalho e o Fundo de Garantia de Compensação do Trabalho”, criados em outubro de 2013, conseguindo com ela caracterizar muito melhor a natureza dos vínculos contratuais e as tendências de persistência ou volatilidade com que cada tipo de contrato se apresenta, bem como identificar as remunerações aplicadas.
As três constatações fundamentais a que chega a partir das características dos 3 343 255 contratos celebrados entre novembro de 2013 e maio de 2017, são preocupantes: i) existe uma “tendência para a redução do peso dos contratos permanentes na estrutura do emprego”; ii) observa-se “uma miríade de tipos de contratos não permanentes, de baixa duração, muitos deles temporários e/ou de horários parciais, em permanente rotação para o mesmo posto de trabalho ou até para o mesmo trabalhador”; iii) constata-se uma tendência de degradação da remuneração do trabalho”, que só não foi mais acentuada porque o aproximar das eleições legislativas de 2015 e os compromissos do atual governo propiciaram três aumentos do Salário Mínimo Nacional (SMN).
Os dados disponíveis confirmam os serviços como o sector que mais postos de trabalho cria, refletindo também o novo dinamismo do turismo e do imobiliário na economia portuguesa. Sem querer matar a “galinha dos ovos de ouro”, há que tomar cautelas quanto à qualidade do emprego, tanto mais que, tradicionalmente, os ganhos potenciais de produtividade nestes sectores são baixos.
É urgente uma melhoria dos salários e das relações de trabalho nos sectores em que mais emprego está a ser criado, a par da requalificação e da utilização qualitativa dos recursos neles gerados para a implementação de uma política que promova a diversificação do tecido produtivo nacional, onde a indústria não seja o parente pobre. Caso contrário, arriscamo-nos a um crescimento desequilibrado, vulnerável a bolhas, com fracas perspetivas de valorização do trabalho no médio e longo prazo e, por esta via, jamais faremos convergência com as economias mais desenvolvidas. As características dos novos e de muitos dos velhos contratos, mostram-nos à exaustão a importância de uma atualização regular e justa do SMN, mas ainda quanto são imprescindíveis o incremento e a efetivação da contratação coletiva.
Uma sociedade não se desenvolve assente em políticas de baixos salários. Por outro lado, a precariedade não combina com a democracia. A precariedade cerceia direitos fundamentais no trabalho, nega condições materiais e outras indispensáveis ao acesso a direitos sociais, políticos e culturais. A precariedade gera medos e tem intrínseca uma dimensão social e humana que marca negativamente o rumo das sociedades. A precariedade é geradora de guetos sociais passíveis de engajamentos para perigosos projetos políticos.
Há que colocar na agenda política o combate por melhor qualidade de emprego, pela valorização salarial e contra a precariedade.
[1] Barómetro das Crises n.º 16, disponível em: ces.uc.pt/observatorios/crisalt