Em termos políticos, o terceiro milénio iniciou-se com a entrada dos comandantes zapatistas na cidade do México no passado dia 11 de Março. Esta afirmação pode parecer exagerada a quem tem seguido distraidamente as notícias sobre os zapatistas. Já não o será, no entanto, se se tiver em conta o profundo significado político do movimento e da mensagem zapatistas. Aliás, tal significado ultrapassa os próprios zapatistas já que, segundo creio, a importância dele sobreviverá às vicissitudes futuras dos seus protagonistas de hoje. Estamos, de facto, perante um novo horizonte civilizatório, uma proposta e um processo de luta política que, ao centrar-se na humanidade, na dignidade e no respeito, extravasa em aspectos significativos do património político progressista que herdámos do séc. XIX e do séc. XX. Distingo dois aspectos principais.
A primeira novidade reside na concepção do poder e da opressão. O neoliberalismo, mais que uma versão específica do modo de produção capitalista, é um modelo de civilização assente na intensificação da desigualdade nas relações sociais. Essa desigualdade assume múltiplas formas que são outras tantas faces da opressão. A exploração dos trabalhadores é uma delas mas há muitas outras de que são vítimas as mulheres, as minorias étnicas, os povos indígenas, os desempregados, os imigrantes, os reformados, os homossexuais, as lésbicas, os jovens, as crianças, os camponeses pobres. Todas estas opressões produzem exclusões e, por isso, no centro da luta zapatista não está o explorado mas o excluído, não está a classe mas a humanidade: "por detrás dos nossos 'pasamontañas' estão todos os homens e mulheres simples e vulgares que não contam, não são vistos, não têm amanhã". Tomadas individualmente, as onze reivindicações zapatistas nada têm de transcendente: trabalho, terra, habitação, alimentação, saúde, educação, independência, liberdade, democracia, justiça e paz. É o conjunto que faz delas uma proposta civilizatória alternativa ao neoliberalismo.
A segunda novidade diz respeito à democracia e à conquista do poder. Se são muitas as formas de poder, de nada vale conquistar o poder de Estado se a sociedade não for transformada no sentido da igualdade e do reconhecimento da diferença, ou seja, no sentido da dignidade: "Tomar o poder? Não, apenas algo mais difícil: um mundo novo". O acento tónico não está na destruição do que existe mas na criação de alternativas. Tal como são múltiplas as faces da opressão, várias são as lutas e as propostas de resistência. Tão variadas que nenhuma vanguarda as pode unificar: "Não queremos nem podemos ocupar o lugar que alguns esperam que ocupemos, o lugar donde emanam todas as opiniões, todas as respostas, todas as verdades, não o vamos fazer". As rebeldias têm de se encontrar a partir de baixo, da participação de todos. A violência não é uma alternativa e a democracia representativa só peca por não aceitar ser complementada pela democracia participativa. Ao contrário do que pretendem as vanguardas, há que caminhar com os que vão mais devagar. Como não há metas mas horizontes, o importante é irmos juntos. O papel estratégico da comunicação e da informação reside em mostrar que não se está só na luta.