Nos dias 6 e 7 do corrente mês realizou-se, em Lisboa, o Seminário Internacional sobre a "Formação de Magistrados e Cidadania", promovido pelo Ministério da Justiça. Tratou-se de uma iniciativa que merece aplauso, não só pelo leque muito alargado das matérias que estiveram em debate e pela forma viva como os representantes dos diferentes corpos judiciários as discutiram, mas, sobretudo, pela abertura do sistema judicial em discutir aquelas matérias com outros olhares e saberes, concretamente com as Universidades, os jornalistas e o Instituto de Emprego e Formação Profissional.
O nosso sistema judicial está a tentar sair da profunda crise de legitimação em que mergulhou nos últimos anos. Tendo sido chamado a responder às exigências e aos desafios da modernização da sociedade portuguesa, faltou em grande medida à chamada. Posto na contingência de ser a instância legitimadora de um sistema político acossado pela praga da corrupção, acabou, ele próprio, deslegitimado. Para sair desta crise são necessárias mudanças profundas e a mobilização de muitas forças nomeadamente daquelas que até agora têm resistido, passiva ou activamente, a abandonar as rotinas e os privilégios instalados.
Neste Seminário, o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa apresentou uma proposta para o recrutamento e formação de magistrados pautada pelo objectivo da criação de uma nova cultura judiciária, mais democrática, mais atenta aos direitos humanos, mais próxima dos cidadãos - uma formação para a cidadania. Essa proposta assenta em seis princípios básicos. O primeiro é o princípio da legitimação constitucional do recrutamento e da formação de magistrados: o recrutamento deve ser assegurado por uma "entidade" ou um "júri" que reflicta a legitimidade constitucional do poder judicial e não apenas pelos Conselhos, matéria que está longe de ser consensual no seio das magistraturas. O segundo princípio é que o recrutamento deve ser plural e diversificado nas competências, experiências e saberes. Não devem, por isso, existir bloqueios à entrada de jovens e de profissionais com experiência, admitindo-se também que, à semelhança de outros modelos estrangeiros, se inicie um processo, a título experimental, de entrada nas magistraturas de licenciados ou profissionais com formação não jurídica. O terceiro princípio decorre em parte do segundo: o recrutamento, por concurso público, deve assumir formas diferenciadas, adequado às qualificações académicas, à formação e à experiência profissional dos candidatos. O quarto princípio assenta na ideia de que o direito é um fenómeno social e político como outro qualquer. A formação deve criar condições para que se formem magistrados dotados de um sólido apetrechamento técnico-jurídico, aptos para o exercício de funções segundo critérios éticos e deontológicos, de independência e de responsabilização, mas que saibam igualmente interpretar adequadamente a realidade social que subjaz aos autos. O quinto princípio é de que a formação tem de incidir tanto na formação inicial como na permanente e deve incluir a formação especializada para as jurisdições especializadas. O sexto e último princípio rejeita a reprodução de uma cultura técnico-burocrática e defende que os conteúdos da formação devem privilegiar o desenvolvimento nos magistrados de uma cultura de cidadania. A construção desta nova cultura de cidadania obrigará a profundas alterações na organização e nos conteúdos da formação. A disponibilidade para elas por parte das magistraturas é, por agora, uma questão em aberto.