A perplexidade que assolou o mundo ocidental em geral, e os EUA, em particular, após as atrocidades de 11 de Setembro leva-me a pensar que, para muita gente, líderes políticos e cidadãos comuns, desta região do mundo, a história só começou em 11 de Setembro. Muitas das questões que dominam os media parecem partir dessa premissa: porquê todo este ódio contra o Ocidente e a América? O que leva jovens, alguns engenheiros, embrulharem-se em bombas ou a transformarem aviões em bombas para se imolarem por uma causa? Porque é que estes terroristas são considerados mártires nos seus locais de origem e as suas famílias respeitadas por terem tão heróicos filhos? A perplexidade, a surpresa e a estranheza são tão grandes que nada parece existir no passado que nos ajude a compreender (sem que isso implique justificar) o que se passou.
O problema desta amnésia histórica é que, sem o passado do que se passou e, portanto, sem as lições que se podem tirar dele, não poderemos compreender e muito menos influenciar positivamente o futuro. A verdade é que esta história e estas perguntas têm um passado, por vezes bem remoto. Ilustro alguns dos seus momentos: as cruzadas dos cristãos contra os "infiéis" nos séculos XI e XII; a intolerância cristã contra mouros e judeus na Península Ibérica do séc. XIII ao séc. XVI; o colonialismo europeu a partir do séc. XV com os massacres massivos dos índios na América, dos negros na África, dos indianos na Ásia, dos irlandeses na Europa, com a escravatura, com a repressão violenta dos movimentos de libertação da Argélia, e da África "portuguesa"; a dependência da prosperidade do Ocidente do petróleo barato e abundante; a longa história de intervenção violenta do Ocidente, liderado pelos EUA, para derrotar no Médio Oriente movimentos democráticos (Mossadegh, em 1953, no actual Irão, sobretudo por ter nacionalizado o petróleo) e nacionalistas, laicos ou opostos ao fundamentalismo religioso (nos anos 60, o Nasserismo, no Egipto e o Baathismo, no Iraque; nos anos 70 e 80, o regime pró-soviético do Afeganistão, armando os extremistas religiosos, os talibã e os bin ladens); o apoio incondicional dos EUA ao terrorismo de Estado exercido por Israel contra os palestinianos, da guerra de ocupação de 1967, ao massacre de 17000 civis palestinianos no Líbano e de 3 mil famílias de refugiados nos campos de Shabra e Shatila 1982-83; o apoio militar a Saddan Hussein na luta contra o Irão onde foram usadas armas químicas e morreram mais de um milhão de iranianos e kurdos; o bombardeamento, ordenado por Clinton, sem provas concludentes, de uma fábrica de produtos farmacêuticos no Sudão, de que resultou, segundo alguns estudos, a morte de 30 000 pessoas que dependiam dos medicamentos aí produzidos; o facto de, no dia 11 de Setembro, e segundo dados da FAO, terem morrido 5,615 crianças nos países pobres do mundo, sem que tenha havido qualquer notícia, nem nenhuma manifestação de solidariedade; a arrogância eticamente repugnante de pôr a par aviões B-52, lançando bombas e os C-17, lançando comida para que os afegãos humilhados saibam que quem lhes mata a fome só pode matar e destruir por amor.
Esta história começou há muito e, se não for conhecida e aprendida, ao terrorismo dos desesperados seguir-se-á mais uma reacção de terrorismo de Estado e a esta mais terrorismo se seguirá.