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15-11-2001        Visão
No fim da semana passada participei num colóquio sobre direitos humanos (dh) na Universidade de Columbia em Nova Iorque. As tensões que dominaram o colóquio são reveladoras do ambiente pesado que se vive hoje na comunidade científica norteamericana (e suspeito que não apenas nela) quando se trata de discutir temas que directa ou indirectamente se relacionam com o 11 de Setembro. As discussões sobre dh, sobretudo quando nelas participam cientistas sociais oriundos de vários continentes e de diferentes culturas, sempre foram vivas e intensas, mas também serenas. Desta vez, porém, a vivacidade descambou frequentemente para a agressividade e o insulto e foram vários os momentos de impasse argumentativo. Quando a dificuldade do diálogo acontece no seio de um grupo social homogéneo em termos de classe social e formação académica é fácil imaginar a dificuldade, se não mesmo a impossibilidade, de diálogo em grupos sociais mais heterogéneos.

As principais tensões foram as seguintes.

1. O que conta como violação dos dh? O modo como tem sido construída a doutrina dos dh faz com que muito sofrimento humano injusto não seja considerado violação de dh. A fome e a doença agravadas em várias partes do mundo pela globalização neoliberal são uma violação dos dh? Constitui uma violação dos dh o facto de os países ricos, ao mesmo tempo que impõem a liberalização do comércio aos países pobres, continuarem a proteger as suas economias das exportações destes últimos, que, segundo a ONU, significa um empobrecimento anual de 700 biliões de dólares para o Terceiro Mundo? A morte de 500.000 crianças iraquianas, também segundo dados da ONU, em consequência do embargo são uma violação dos dh? A pena de morte - em 1999, a China, o Irão e os EUA foram responsáveis por 80% das execuções - são uma violação dos dh?

2. Quais os limites para além dos quais a defesa contra o terrorismo pode transformar-se numa violação dos dh? As mais de 1200 pessoas (quase todas árabes e muçulmanas) que estiveram detidas durante algum tempo depois do 11 de Setembro terão sido vítimas de violação dos dh? Correm rumores de tortura para obter informação. Uma dirigente do Partido dos Verdes foi proibida de viajar de avião pelo facto de o seu partido se ter manifestado contra os bombardeamentos do Afeganistão. As novas leis anti-terroristas são tão vagas que podem bem ser usadas contra os manifestantes anti-globalização ou contra os activistas de dh.

3. O que é o terrorismo e como lidar com ele? Esta vai ser a grande questão dos próximos tempos. Toda a luta armada é terrorismo? Os curdos, quando combatem o Iraque, são combatentes da liberdade, quando combatem a Turquia, são terroristas, apesar de as causas e os meios serem sempre os mesmos. Onde começa o terrorismo? Começa nos laboratórios russos e norteamericanos que durante anos desenvolveram a chamada "ameaça perfeita", as armas biológicas capazes de destruir populações civis inteiras sem as consequências da explosão nuclear? A partir dos anos 70 e no contexto da guerra fria tornou-se popular no Pentágono a doutrina do "equilíbrio do terror". Uma das suas facetas consistia em apoiar grupos armados capazes de criar clima de terror entre as populações com vista a forçar governos inimigos a uma negociação. Foi assim que foram apoiados, entre outros, a Renamo, a Unita, os Contra na Nicarágua e os taliban. Curiosamente, a doutrina impunha aos governos a negociação com os "terroristas". Por que está agora excluída a hipótese de negociação?

O encontro de Nova Iorque foi uma metáfora do que nos espera: se desistirmos da lucidez e do diálogo, deixaremos o caminho mais livre à violência.

 
 
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Boaventura de Sousa Santos