O que há de comum entre a situação trágica e patética de Arafat, preso num quarto rodeado de tanques por todos os lados, e o fracasso aparente da Conferência da ONU sobre o financiamento do desenvolvimento realizada em Monterrey em 21 e 22 de Março? São dois sinais preocupantes de que o mundo não está a ser capaz de tirar da tragédia do 11 de Setembro as lições que impeçam a ocorrência de outras tragédias no futuro e de que, portanto, são de prever novos massacres de populações civis inocentes com consequências que nos poderão levar a pensar que afinal a terceira guerra mundial está já em curso.
A ideia de que o êxito da luta contra o terrorismo assenta, a longo prazo, na solução do conflito israelo-palestiniano e na redução drástica da pobreza no mundo é hoje dominante na Europa, na ONU e em largos sectores do Congresso norte-americano. Causa, pois, perplexidade verificar que, apesar disso, o que está em curso é uma combinação arrepiante do neoliberalismo da economia com um novo neoliberalismo da guerra, da qual só pode resultar o agravamento dos dois problemas. Quanto à Palestina, estamos literalmente à beira do abismo. O revólver que Arafat tem ao seu alcance pode ser a arma do seu suicídio, se e quando os soldados israelitas tentarem forçar a sua rendição. Isso mesmo se terá passado com Salvador Allende, no Chile, quando os militares de Pinochet o tentaram prender. Suspeito que o sangue de Arafat seja bem mais inflamável que o petróleo que jorra na região.
A Conferência de Monterrey foi convocada com o objectivo de dar seguimento a uma decisão da assembleia geral das Nações Unidas no sentido de, até 2015, reduzir para metade a pobreza extrema (um bilião de pessoas que vive com menos de um dólar por dia), reduzir de dois terços a morte de crianças até aos 5 anos e fornecer educação básica a toda a população mundial. Nos últimos meses este objectivo passou a ser defendido não apenas por razões de justiça social, mas também por razões de segurança internacional. O presidente da Organização Mundial do Comércio afirmou recentemente que o aumento das desigualdades entre países ricos e pobres era uma bomba-relógio no coração da economia mundial. Apesar de tão amplo consenso e apesar de os EUA terem anunciado um aumento de 5 biliões de dólares em ajuda ao desenvolvimento no decurso dos próximos três anos, a Conferência foi um rotundo fracasso. São várias as razões. Os países ricos não assumiram qualquer compromisso no sentido de elevar para 0,7% do PIB o montante da ajuda ao desenvolvimento, uma percentagem considerada necessária para serem atingidos os objectivos da ONU. A UE, que é quem contribui mais, decidiu em Barcelona elevar a sua percentagem dos 0,33 do PIB de hoje para 0,39 em 2006. Não houve qualquer cedência no domínio do alívio da dívida externa considerada insustentável, nem no acesso dos produtos dos países pobres (sobretudo agrícolas) aos mercados altamente subsidiados dos países ricos. Não se ousou rever processos de discussão e decisão das agências multilaterais. Aliás, esta foi a Conferência da ONU em que os países em desenvolvimento menos espaço tiveram para dar a conhecer as suas opiniões e propostas. Se algumas das condições impostas por Bush são justas (defesa dos direitos humanos e eliminação da corrupção), as restantes implicam a adopção pura e dura do receituário neoliberal responsável pelo agravamento das desigualdades no mundo. O Consenso de Monterrey foi, de facto, um Consenso de Washington com um sombrero.